GUERRA EM GAZA

“Meu corpo está fraco, não consigo mais”: jornalistas da AFP também passam fome em Gaza

Fome e abandono em meio a genocídio de Israel: “se nada for feito, os últimos jornalistas vão morrer”, diz AFP

Jaber Jehad Badwan/Wikimedia Commons
Jaber Jehad Badwan/Wikimedia Commons

Por Leandro Barbosa | Edição: Thiago Domenici

Em meio ao genocídio imposto por Israel à Faixa de Gaza, os últimos jornalistas da Agência France-Presse (AFP) ainda presentes no território alertam: “vamos morrer de fome”. A declaração dramática foi feita pela equipe local da agência, que enfrenta não apenas os perigos da guerra desproporcional, mas também o colapso total das condições de sobrevivência na região. Sem acesso a comida, água potável, assistência médica ou possibilidade de saída segura, os profissionais relatam estar à beira de uma catástrofe humanitária pessoal.

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Desde o ataque de um grupo do Hamas em 7 de outubro de 2023, Gaza tornou-se o cenário de um genocídio que já deixou cerca de 60 mil mortos, segundo autoridades de saúde locais. Nesta semana, a ONU denunciou um ‘show de horrores’ e disparada de desnutrição em Gaza. Além disso, mais de 100 ONGs denunciam ‘fome em massa’. Israel disse não ter identificado fome extrema em Gaza e nega acusações. No entanto, admitiu que pouca ajuda chega aos palestinos, e culpou a ONU por isso.

O chefe da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos, Unrwa, chegou a ressaltar que Gaza é agora “um inferno” para mais de 2 milhões de pessoas e observou que as crianças continuam morrendo de desnutrição e desidratação.

Essa escalada da crise alimentar é confirmada por Médicos Sem Fronteiras (MSF), que relatou em julho níveis sem precedentes de desnutrição aguda em duas clínicas mantidas na região, uma em Cidade de Gaza, no norte, e outra em Al-Mawasi, no sul do país. Mais de 700 mulheres grávidas e lactantes e quase 500 crianças estão em situação de desnutrição moderada ou grave. Em uma das unidades, o número de crianças desnutridas entre 6 e 23 meses triplicou entre maio e julho, atingindo 326 casos, o maior registrado pela organização no território até hoje.

Para Mohammed Abu Mughaisib, coordenador clínico da MSF, a situação é inédita: “É a primeira vez que testemunhamos uma prevalência tão grave de casos de desnutrição em Gaza. A fome poderia acabar amanhã se as autoridades israelenses permitissem a entrada suficiente de alimentos”, disse o coordenador em um texto publicado no site da organização. 

A médica Joanne Perry reforça o alerta: “Mães me pedem comida para seus filhos. Mulheres grávidas de seis meses muitas vezes não pesam mais do que 40 quilos”. Além disso, a organização denuncia o colapso do saneamento e a superlotação de abrigos, com bloqueio de alimentos, medicamentos e combustível, agravando o quadro de colapso total da saúde pública.

Nesse cenário de devastação, os jornalistas locais tornaram-se tanto testemunhas quanto vítimas. Em carta assinada pela Sociedade de Jornalistas da AFP (SDJ), publicada em 21 de julho de 2025, a agência alerta que seus últimos repórteres em Gaza estão prestes a morrer de fome: “Vemos a situação deles piorar. São jovens, estão perdendo peso e muitos já não têm mais forças físicas para trabalhar. Pedir ajuda virou parte da rotina diária”, afirma a nota, enfatizando que “se nada for feito imediatamente, os últimos jornalistas em Gaza vão morrer”.

Um dos casos mais emblemáticos é o de Bashar, fotógrafo freelancer da AFP desde 2010. Vivendo entre os escombros da casa do irmão em Cidade de Gaza, ele publicou nas redes: “Não tenho mais forças para continuar trabalhando para a imprensa. Meu corpo está fraco e não consigo mais.” Ele relatou que seu irmão mais velho havia morrido de fome. A família enfrenta extrema precariedade e casos de infecção intestinal, sem sequer conseguir usar transporte motorizado devido ao alto risco de bombardeio.

Mesmo recebendo salário mensal simbólico da AFP, os jornalistas não conseguem comprar alimentos. O sistema bancário colapsou e taxas de até 40% encarecem qualquer transação. A AFP diz não conseguir abastecer veículos; os deslocamentos só ocorrem a pé ou em carroças de tração animal.

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Crimes de guerra

Para Cilene Victor, jornalista e professora da Universidade Metodista de São Paulo, o bloqueio da ajuda humanitária em Gaza configura uma grave violação das normas internacionais. “Provocar a morte por inanição é uma forma horrenda de crime de guerra. Israel conseguiu atualizar todas as formas de violação de direitos humanos, e isso inclui jornalistas sendo colocados sob risco real de morrer de fome”, afirma Cilene, que também é líder do grupo de pesquisa Jornalismo Humanitário e Media Interventions, da universidade. 

A pesquisadora denuncia o apagamento da importância dos jornalistas locais. “Parece que esses jornalistas valem menos para a sociedade internacional, como se fossem só mais um palestino entre os outros deixados para trás. Mas são eles que conhecem cada curva daquele território, são eles que garantem que a informação continue saindo mesmo quando o mundo se cala”, pontua.

O testemunho da jornalista Ahlam reforça o cenário de abandono: “Toda vez que saio para uma entrevista, não sei se voltarei viva.” Para ela, “o maior problema é a falta de comida e água.”

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A FDJ destaca: “Desde que a AFP foi fundada, em agosto de 1944, alguns de nossos jornalistas foram mortos em conflitos, feridos ou feitos reféns. Mas nunca houve registro de que tivéssemos de assistir colegas morrerem de fome.”

Cilene conclui que “é urgente que Israel permita a entrada da imprensa internacional. Gaza virou um lugar onde o jornalismo praticamente desapareceu.”

Em 2024, mais de 60 veículos internacionais assinaram uma carta conjunta pedindo a proteção dos jornalistas que ainda atuam na região. O documento cobra a criação de corredores humanitários seguros e acesso à ajuda internacional para trabalhadores da imprensa, que seguem expostos a bombardeios, fome e doenças. Porém, a realidade piorou. “Gaza inteira hoje é uma cena de tamanha afronta moral e humanitária. É o inaceitável se tornando cotidiano”, resume Cilene Victor.

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