Diário do julgamento - Ato 8

Depoimentos e o "beco sem saída" para réus de trama golpista

Depoimentos curiosos, defesas insatisfeitas e expectativa de decisão rápida sobre núcleos 2, 3 e 4 da tentativa de golpe

Antonio Augusto/STF
Antonio Augusto/STF

Por Caio de Freitas | Edição: Ed Wanderley

Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os depoimentos das testemunhas dos réus no caso da trama golpista, que culminou com o ataque às sedes dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023, não puderam ser gravados em áudio ou vídeo por quem os acompanhou. Assim, grande parte da população não viu nem ouviu relatos no mínimo curiosos entre 14 e 23 de julho, quando foram feitos depoimentos relativos às defesas dos réus dos núcleos 2 (gerenciamento), 3 (ações) e 4 (desinformação) da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Continua depois da publicidade

Quem é quem no julgamento do golpe? Confira tudo que você precisa saber

Um dos relatos mais inusitados se deu por meio de uma testemunha do general “kid preto” Mário Fernandes, retratando o acampamento instalado na frente do quartel-general do Exército como um local que seria tão pacífico que abrigaria até mesmo pessoas pedindo “fora Bolsonaro”.

“Ali tinha muitos grupos, tinha de tudo: [pedidos por] ‘Nova Constituição’, novas eleições… cada grupo tinha uma pauta. Tinha intervencionistas, pedido de intervenção militar, tinha gente ‘fora Lula’, ‘fora Bolsonaro’ até”, disse Rodrigo Yassuo Faria Ikezili, tido pela PF como uma das lideranças do acampamento golpista.

Outro momento de destaque foi quando a juíza auxiliar Luciana Sorrentino encerrou repentinamente o depoimento de Paulo Maurício Fortunato – ex-diretor de Operações de Inteligência na Abin do governo Bolsonaro e ex-‘número 3’ do órgão no atual governo Lula – que contava detalhes inéditos sobre o uso do programa israelense First Mile, estopim do escândalo da Abin Paralela. Fortunato foi ouvido como testemunha do policial federal Marcelo Bormevet, homem de confiança do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem (PL) no governo Bolsonaro.

“O First Mile foi uma ferramenta prospectada pelo Centro de Pesquisa da Abin”, segundo Fortunato, que também afirmou na ocasião que “o Departamento de Operações [da Abin] não foi o responsável pela compra”. “Isso não me interessa”, disse a juíza ao encerrar o depoimento na quarta-feira (16).

Nem todas as testemunhas listadas no processo de fato compareceram. Militares chamados por dois acusados de envolvimento com a carta golpista contra o Alto Comando do Exército, por exemplo, faltaram na sessão.

Delegado da Polícia Federal Fábio Álvarez Shor já foi exposto diversas vezes por políticos como Marcel Van Hattem (Novo-RS) [foto] e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no Congresso Nacional devido às investigações que implicaram o ex-presidente Jair Bolsonaro

Detalhes ainda a esclarecer

O delegado da Polícia Federal (PF) Fábio Alvarez Shor, responsável por conduzir as investigações sobre a trama golpista, foi ouvido na segunda (21) e terça (22) e lidou com as tentativas das defesas dos réus de enfraquecer e desacreditar as investigações. Ele confirmou que “ainda existem investigações em andamento, no que toca a parte operacional [da trama golpista]”, ao responder a defesa do policial federal Wladimir Matos Soares.

Advogados questionaram se a PF ouviu membros do Alto Comando do Exército sobre as articulações para que a cúpula militar aderisse ao golpe; criticaram uma suposta edição de mensagens recuperadas pelos policiais, o que, segundo as defesas, teria “desinformado” o STF e a PGR; indagaram detalhes técnicos que supostamente teriam sido ignorados pela equipe da PF; e alegaram que partes fundamentais do caso se basearam nas delações do tenente-coronel “kid preto” Mauro Cid – chamado por um dos advogados dos réus de “delator ‘papagaio’”.

De fato, ainda há questões a serem respondidas no caso. Até agora não se sabe, por exemplo, quem eram os outros quatro membros do grupo Copa 2022, que, segundo a PF, foi criado para sequestrar e assassinar autoridades da República como o ministro do STF Alexandre de Moraes, o presidente Lula (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Os tenente-coronéis “kids pretos” Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra Azevedo, considerados pela PF como integrantes do grupo no aplicativo de mensagens Signal, se tornaram réus no núcleo 3 do caso.

Continua depois da publicidade

Uma revelação trazida pelo delegado refere-se ao conjunto de evidências reunidas pela PF. Em resposta à defesa do ex-assessor especial da Presidência da República Filipe Martins, acusado de envolvimento na elaboração da ‘minuta golpista’, Shor afirmou que “[a PF] não tem [o conteúdo do] chat do WhatsApp do general Mário Fernandes, apenas os áudios, e, no caso do Filipe Martins, não tivemos acesso ao WhatsApp dele – porque ele não forneceu suas senhas”.

O ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, indicado ao STF
Ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, deve decidir sobre a sentença ainda no primeiro semestre de 2025

Defesas insatisfeitas

Ataques e críticas ao trabalho de Fábio Shor e sua equipe na PF foram rebatidos pelos procuradores da República que representam a PGR nos depoimentos. Por vezes, os juízes auxiliares também intercederam antes mesmo de o delegado da PF responder às defesas. Em geral, uma mesma expressão era usada: “alegações finais”.

Segundo os juízes auxiliares do STF, diversas perguntas foram indeferidas por serem inadequadas à atual etapa do processo. O advogado Diogo Musy, responsável pela defesa do general ‘quatro-estrelas’ do Exército Estevam Cals Theophilo Gaspar, por exemplo, questionou Shor sobre um possível erro conceitual no caso: a afirmação que, na condição de líder do Comando de Operações Terrestres (Coter), o general teria controle sobre “o maior contingente do Exército” – o advogado alega que, tecnicamente, o Coter não comanda tropa alguma.

Continua depois da publicidade

“Questionar o modo como esta informação foi obtida ou veiculada não cabe nesta etapa do processo penal”, rebateu um dos procuradores. “O porquê dele chegar nessa conclusão não importa neste momento. Isso deverá ser colocado nas alegações finais do seu cliente no processo”, complementou a juíza Sorrentino.

Estratégia de defensor de ex-assessor especial de Bolsonaro Filipe Martins [foto] resultou em diversos indeferimentos e, em determinado momento, o levou a ser silenciado diante da Corte

A insatisfação das defesas com respostas desse tipo era mais que visível para quem acompanhava os depoimentos. As reações, no entanto, variaram entre a resignação e estratégias por vezes chamativas, como a do advogado Jeffrey Chiquini, que defende o ex-assessor de Bolsonaro Filipe Martins.

Apesar de ter questionamentos indeferidos, Chiquini reformulou repetidas vezes as mesmas perguntas para as mesmas testemunhas. Ele chegou a ter a fala cortada ao inquirir o general ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Lula Marco Gonçalves Dias. Na sessão conduzida por Alexandre de Moraes na quarta (16), o ministro o repreendeu até chegar ao ponto de silenciá-lo: “essa linha do senhor acabou”.

Continua depois da publicidade

STF deve concluir julgamento do golpe ainda nesta segundo semestre de 2025

Próximos passos

Com a conclusão dos depoimentos, o ministro relator deverá marcar datas para o interrogatório dos réus dos núcleos 2, 3 e 4. O Supremo já determinou que os réus do núcleo 2 – Fernando Oliveira, Filipe Martins, Marcelo Câmara, Mário Fernandes e Marília de Alencar – serão interrogados nesta quinta (24). Já os réus do núcleo 3, basicamente composto por militares ‘kids pretos’ do Exército, passarão por interrogatório na segunda-feira (28); o STF ainda não divulgou a datas para o núcleo 4.

Com todos os réus interrogados, as defesas terão cinco dias para apresentar requerimentos complementares e pedir novas diligências. Então, defesas e PGR terão o prazo de 15 dias para apresentar alegações finais – última manifestação da uma sentença. Caberá ao ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, marcar uma data para a sentença dos réus. A expectativa é que o Supremo conclua o julgamento do caso entre agosto e setembro deste ano.






Conteúdo Patrocinado



Comentários:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Clique aqui para fazer o seu cadastro.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

WhatsAPP DIARINHO

Envie seu recado

Através deste formuário, você pode entrar em contato com a redação do DIARINHO.

×






216.73.216.173


TV DIARINHO


⚖️🚫 ABRIGO INTERDITADO! | A Justiça mandou fechar um abrigo de adolescentes em Itajaí após denúncias ...



Especiais

Verde-amarelo em disputa e pautas "invertidas" marcam 7/9 antes de julgamento de Bolsonaro

SETE DE SETEMBRO

Verde-amarelo em disputa e pautas "invertidas" marcam 7/9 antes de julgamento de Bolsonaro

Malafaia usa Bíblia para transformar investigação em provação divina

Nos cultos

Malafaia usa Bíblia para transformar investigação em provação divina

Guerra no Congo e o silêncio da comunidade internacional diante de 10 milhões de mortes

CONFLITO INTERNACIONAL

Guerra no Congo e o silêncio da comunidade internacional diante de 10 milhões de mortes

Como lema da esquerda foi pego por bolsonaristas e virou mote no 7 de setembro

Anistia

Como lema da esquerda foi pego por bolsonaristas e virou mote no 7 de setembro

“Bolsonaro ainda é insubstituível”: antropóloga analisa os rumos da extrema direita

EXTREMA DIREITA

“Bolsonaro ainda é insubstituível”: antropóloga analisa os rumos da extrema direita



Blogs

🌿 Saúde intestinal: o centro da sua imunidade e energia

Espaço Saúde

🌿 Saúde intestinal: o centro da sua imunidade e energia

Líderes do Cris

Blog do JC

Líderes do Cris



Diz aí

"Na minha chapa, os candidatos ao Senado vão ser de Santa Catarina"

Diz aí, João Rodrigues!

"Na minha chapa, os candidatos ao Senado vão ser de Santa Catarina"

João Rodrigues será o entrevistado desta semana no “Diz aí!”

AO VIVO

João Rodrigues será o entrevistado desta semana no “Diz aí!”

"A urna vai ser a presença"

Diz aí, JC!

"A urna vai ser a presença"

Gororoba do JC é tema no “Diz aí!”

AO VIVO

Gororoba do JC é tema no “Diz aí!”

"Tenho um lema: em primeiro lugar, a piada. Em segundo, a verdade e a ética"

Diz aí, Jorge Gastaldi!

"Tenho um lema: em primeiro lugar, a piada. Em segundo, a verdade e a ética"



Hoje nas bancas

Capa de hoje
Folheie o jornal aqui ❯




Jornal Diarinho ©2025 - Todos os direitos reservados.