Matérias | Política


Diz aí, professora, Juliana Sperber!

“O benefício maior para as famílias foi sair da tela e vivenciar o quintal”

A jornalista Franciele Marcon e a convidada especial Ana Lúcia da Silva entrevistaram a professora Juliana Sperber, que conquistou o terceiro lugar na categoria Sustentabilidade do Prêmio Nacional Educador Nota 10

Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

(FOTOS: FABRÍCIO PITELLA)
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Como você se tornou professora da rede municipal de Itajaí? Onde foi sua formação como professora?


Juliana: Eu sou formada no magistério e tenho Pedagogia. Eu relutei muito para ir para a Pedagogia. Eu queria fazer teatro. Meu sonho era participar do programa da Xuxa ...

 

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Juliana: Eu sou formada no magistério e tenho Pedagogia. Eu relutei muito para ir para a Pedagogia. Eu queria fazer teatro. Meu sonho era participar do programa da Xuxa. Eu queria muito ser artista. Quando decidi ir à Pedagogia eu me encontrei. Porque eu também podia ser o que eu seria lá no teatro, na sala de aula. Para fazer uma contação de história, às vezes, eu tenho que fazer uma voz mais grossa, uma coisa mais felina. Eu conseguia trazer o que eu queria ser para a sala de aula.



Para quem ainda não conhece, o que é o projeto Quintal das Sensações?  Como ele foi estruturado no dia a dia das crianças?

Juliana: Desde muito criança a gente sempre ouve do cuidado com a separação do lixo.  Tem que cuidar com canudo, com as tartarugas, mas quem conhece ou já viu uma tartaruga? Como eu vou desenvolver a sustentabilidade com as crianças se eu não levá-las para o lado de fora, para que elas pertençam àquele espaço e lugar? O projeto surgiu da ideia de levar as crianças para vivenciar o nosso quintal e lá aprenderem a cuidar e a preservar. Elas são o futuro do planeta, então têm que aprender a cuidar do planeta.


O projeto recebeu uma premiação nacional. Pode explicar em que contexto ele foi premiado no Educador Nota 10, do Instituto Somos?

Juliana: Eu descobri o prêmio por acaso e fiz a minha inscrição e entrevista com a selecionadora. O instituto tem essa iniciativa, juntamente com a editora. Eles premiam os professores que se destacam e os projetos que podem ser replicados.


Quando você começou a perceber que seria possível integrar outras questões ligadas à educação no seu projeto, considerando as normas e diretrizes como a Base Nacional Comum Curricular? E como foi o processo de adaptação da sua prática de sala de aula para implementar um projeto com alcance nacional?

Juliana: Eu trouxe muito de Paulo Freire. O Paulo Freire traz para a gente o ensinar com o que está ao redor. A minha creche é uma creche afastada, no bairro Espinheiros. Ela está rodeada de árvores. Ao final da rua tem o sítio onde foram feitas algumas vivências do projeto. Algumas daquelas crianças já traziam esse conhecimento de casa. Elas já vinham desse conhecimento não formal que é passado de pai para filho. Eles já sabiam como lidar com o cavalo, com os animais. O projeto surgiu de observar a criança. Porque eles ficavam encantados quando viam alguém passar com o cavalo. Por que não trazer o que é do dia a dia deles, que está na vida deles, para dentro da sala de aula e alinhar com a BNCC?!

Quais foram os maiores desafios na implementação do projeto no CEI Cecília Santiago Dias?

Juliana: No começo foi o sair para a rua. É uma turma de maternal. Eles tinham idade de dois a três anos. No começo, eles saíam correndo. A gente construiu o projeto junto e eles foram se adaptando. O projeto foi caminhando, eles foram entendendo que não podiam correr porque tinham que cuidar, cuidar com o carro, a bicicleta. Eu acho que a maior dificuldade do projeto foi, no começo, a gente alinhar esse andar na rua. [Quais as principais características do projeto?] O projeto envolveu bastante arte, construção de brinquedos  e trouxe a inovação. O projeto era sempre realizado à tarde. Eu fiz durante todo o ano de 2023, todos os dias, de segunda a sexta, exceto nos dias que tinha a hora-atividade do professor. [Esse ano ele está sendo replicado novamente?] Não, eu troquei de turma. Esse ano eu voltei para o berçário e eles foram para o Jardim 1. Esse ano o Quintal das Sensações não foi replicado. [A Secretaria de Educação chegou a ter contato com você para replicar o projeto para mais creches?] Até o momento não.

De forma prática, as crianças vão para a rua, elas vão brincar com a natureza, com o material, com lama, como é essa brincadeira?


Juliana: A gente os levava até o sítio, lá havia uma proposta preparada. A gente alimentava os animais, esses animais produziam o esterco. Esse esterco era armazenado, a gente fez uma horta com esse esterco, eles levaram para casa e aí plantaram. Todo o material que era descartado pela natureza, galhos, folhas, a gente reutilizava, construía brinquedos, pincel... Tinha um pomar, com algumas árvores, laranja, limão, pêssego, eles deixavam a gente colher fruta. A gente colhia fruta e com a fruta fez massinha de modelar, que é biodegradável, comestível; fizemos gelo aromatizado e sucos. A gente fez a nossa própria tinta comestível. A gente produzia o pincel, produzia a tinta e fazia as estações de arte.

 

“A gente tinha que fazer uma mobilização para tentar construir quintais nas  escolas; transformar o lado de fora”

 

Quais mudanças ou impactos você já percebeu nas crianças e na comunidade escolar após a implementação do projeto?

Juliana: Com as crianças, foi visível que eles acalmaram. Eu acho que entendiam que ia acontecer algo, não tinha mais aquela euforia. Já a família, eles receberam muito bem o projeto. O projeto foi abraçado por todo o CEI. A gente teve práticas e elas traziam resultados. A mãe de uma aluna falou que ela até se empolgou e fez outras plantações. Porque a criança chegava da creche e regava as plantinhas. Ela tirou um tempo de qualidade para estar com a filha. O benefício maior para as famílias foi sair da tela e vivenciar o quintal.


A proposta do projeto “Quintal das Sensações” é muito acolhedora e rica em experiências para as crianças da primeira infância, uma fase cheia de descobertas e aprendizados. No entanto, sabemos que muitas escolas, tanto públicas quanto privadas, nem sempre oferecem um espaço que remeta à ideia de quintal. Como a sua indicação ao prêmio e a visibilidade do seu projeto podem sensibilizar outras instituições a buscar essa concepção de “sala-quintal” ?

Juliana:  O meu CEI está na comunidade há 12 anos, mas é uma casa adaptada. A gente teve um processo de cuidar do nosso quintal, de plantar, mas a realidade de todos não é a mesma. Mas, às vezes, num pedacinho, eu consigo trazer a terra. A terra quando é misturada com água ela se torna tinta. Uma tinta que eu consigo trabalhar com o meu aluno e ter alguma vivência. A gente tinha que fazer uma mobilização para tentar construir quintais nas escolas; transformar o lado de fora.

Ainda falando sobre a estrutura das escolas, do ponto de vista do educador, como o poder público poderia investir de forma eficiente na criação de espaços naturais nas unidades escolares, sem sobrecarregar os professores?

Juliana: Motivando o professor. Tem muitas creches com bons professores. Eles acabam no meio do caminho se cansando, se frustrando. Eu acho que se eu tenho uma equipe motivada, uma equipe que quer estar ali, que quer ter conhecimento, eles são capazes de ganhar um Educador Nota 10. [De que forma esse professor pode se sentir mais motivado?] Poucas pessoas conheceram o projeto Quintais das Sensações. Eu acho que levar o projeto está dando certo para os demais. Às vezes eu posso, como educadora, olhar o teu projeto e falar assim: “eu posso adaptar, posso dar a minha cara, posso fazer diferente...” Eu acho que até as formações continuadas. Muitas vezes as formações são de pessoas que não estão no chão da sala. Elas não entendem o nosso processo dia a dia dentro de uma sala de aula.

Como foi a emoção de ir à Pinacoteca, em São Paulo, um lugar marcado pela cultura, pela arte, representando Itajaí em um prêmio nacional?

Juliana: Eu digo que eu vivi o meu quintal das sensações. Aquela euforia, a vontade de gritar, a vontade de chorar, a vontade de rezar, a vontade de tudo... Foi um misto de emoção. A ficha só caiu no momento da entrega da premiação mesmo. No momento em que eles entregaram o troféu. Tudo que vivi foi uma aquisição muito grande de conhecimento. Eu nunca saí de Santa Catarina. Eu nunca tinha andado de avião. Eu trouxe tudo isso na minha bagagem, todo esse conhecimento adquirido. Eu estou doida para botar isso no projeto e levar para sala de aula.

O sucesso do projeto demonstra que o envolvimento da comunidade foi fundamental. Como você acredita que as escolas podem engajar ainda mais as comunidades em parcerias para o desenvolvimento de projetos semelhantes?

Juliana: Eu acho que é acolher. Eu acho que a gente tem que acolher a comunidade. Ver uma pessoa que é um artista, que tem ali um estúdio de gravação... Por que eu não posso acolher ele, trazer ele para contribuir? Quando eu o trago pra vivenciar o que eu vivencio, talvez ele vá olhar pra mim e dizer assim: “Nossa, eu acredito que isso vai dar certo. Eu vou embarcar com ela nessa? Eu acho que isso aqui está certo”. Eu acho que o acolher, trazer pra vivenciar a rotina da escola, conhecer a escola.

 

“Precisamos deixar um pouco o celular de lado e ensinar a criança a pensar e a criar”

 

Na sociedade atual, marcada por crianças vivendo em apartamentos, a falta de espaços públicos ao ar livre e uma exposição crescente às telas, muitas vezes falta às crianças a oportunidade de colocar as mãos na terra e explorar a natureza. Como a escola e a sociedade podem contribuir para a maior conexão com a natureza?

Juliana: Muitas vezes a gente se preocupa com um brinquedo caro, o brinquedo da moda. “Ah, meu filho pediu, porque isso, porque aquilo...”  Se você der uma caixa pra uma criança, a criança vai criar um dinossauro, uma ponte. Ela vai usar a imaginação. Às vezes a gente se preocupa assim: “meu Deus, mas o Enem vai chegar...” Mas se ao invés de eu dar um brinquedo que não vá fazer com que ele crie uma lógica, que ele crie esse pensamento criativo, talvez, lá na frente, eu tenha que me preocupar. Mas se desde criança eu me sentar com o meu filho, eu ouvir o meu filho, entender o que ele quer, ele vai ter uma consciência muito melhor. Precisamos deixar um pouco o celular de lado e ensinar a criança a pensar e a criar. A gente constrói um mundo com livros, com leitores, mas eu enquanto pai preciso ser o exemplo.

Muito se fala em levar a família, os pais para a escola. Do teu início no magistério, já melhorou essa relação ou os pais estão mais ausentes?

Juliana: Eu trabalho há oito anos nessa mesma creche. Na minha comunidade, os pais são muito participativos. Os pais são aqueles que perguntam. Como mãe, quando eu vou numa reunião de pais, eu vejo que é diferente. Eu acho que comunidade e escola estão caminhando por caminhos diferentes. [Como faz essa reaproximação?] Acolhendo. Eu sei que às vezes é difícil. Mas quando o pai conhece, quando o pai entende a minha prática, ele vai saber me defender, ele vai entender por que eu tô falando e fazendo isso. Muitas vezes os pais falavam assim: “nossa, mas tá fazendo isso de novo?” Eu trouxe a família para fazer uma estação de arte, e foi a criança que conduziu o pai. A criança levou o pai para vivenciar aquilo. E ela falou: “pai, fui eu que fiz esse pincel aqui”. Ele soube explicar ao pai e ele ensinou o pai a fazer a vivência. O pai entendeu o porquê de eu estar fazendo aquilo. Ele conheceu.




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