A vida é um curioso curso misterioso. Nascemos e vamos arrecadando coisas e jeitos que, com o passar dos tempos, com o crescimento dos órgãos, com o aumento do peso, com as marcas do longo caminho, com as exigências sociais, com a pele marcada... vamos nos mostrando quem somos. A vida social não é uma escolha livre e desobediente: é um conjunto de consequências de acordo com os passos que damos. É sempre bom ter espelhos.
A vida é um curioso curso misterioso que, em boa parte, é atraído pelo magnetismo do poder em suas várias caretas. O poder é algo muito peculiar, atraente, fascinante, afrodisíaco. Como um imã muito poderoso gera nas pessoas uma traiçoeira memória emocional, a crença numa autoimagem angelical de sucesso duradouro. Mas basta sermos pegos de assalto escondendo nossos erros embaixo do tapete junto à poeira para que nosso rosto seja esfumaçado.
Quando a perfeição da autoimagem se projeta no espelho de crueza do sol que queima, o encanto da caminhada e os mistérios do curso da vida secam. A tentativa de se mostrar como símbolo de eterna juventude e do perfeccionismo vaidoso moldado em mentiras protetivas, revela as rugas profundas no rosto. A beleza se desfaz não porque nunca estivera ali, mas porque o espelho agora mostra a degradação da alma. Num piscar alucinante, se desfaz a traiçoeira memória de autoglorificação celestial.
Em geral uma vitória eleitoral provoca um ambiente psicológico de sucesso mais imponente do que realmente é. O caminho a ser percorrido durante a gestão governamental retirará os parâmetros eleitorais do sucesso e os substituirá pela capacidade de coordenação de equipe, de persuasão de metas sob os inclementes meios de legislação pública e vigilância de órgãos de controle. A Avaliação não é mais sobre o candidato, mas sobre o gestor. Para as pessoas a avaliação não será mais sobre o que se diz ser, mas sobre o que se demonstra ser.
Advertidas as diferenças, um governo se assemelha a uma pessoa. A maioria delas quer impressionar os outros e com isso gera expectativas. Ali logo em frente serão avaliadas, julgadas. Apesar de um governo ter um conjunto de órgãos de fiscalização e controle bem estabelecidos, as pessoas circulam em terrenos que elas mesmas cultivam sob o olhar agrário dos outros. Do seu plantio social, se não forem cuidadosas, se esquecerem riscos e perigos de suas expectativas, poderão perder, num só golpe, toda a safra da vida moral. As ervas daninhas vêm de dentro, da origem de sua formação como ser social e da capacidade de superar suas próprias dificuldades [glorifiquemos os psicólogos!]
Se falseiam suas próprias bases de existência, se mentem para encantar, ali em frente serão desmascaradas: suas mentiras serão sua própria traição. Viram símbolo do que não deve ser aceito, exemplo a não ser seguido. Suas vísceras, já tomadas pelos danos provocados pelo tempo de sua respiração, explodirão, insolúveis, como condição da ruidosa degradação.
Um governo, ao chegar em etapas de ser avaliado, trará os avaliadores e julgadores para caminhar em seu próprio terreno: se firme a caminhada é segura. A vida política e social não é uma saída de pescaria esportiva, um deleite personalíssimo. A pele não marca sua velhice, mas o seu caráter: “Olha lá! Aquela pessoa é a que...?” Este é o seu espelho!