Primeiro leu o que precisava ler e depois fechou seu livro com cuidado e calma e o colocou sobre a mesa da varanda, ao lado da xícara de café. Passou a pensar! A espécie evolui como animal, na adaptação genética. Como o sol que se faz presente, como a chuva que cai. Era algo da natureza, de um mundo de vidas interdependentes. O mundo dos homens não segue a mesma linha dos seus genes. Transgredir os instintos e agir em cultura têm custos altos!
Degustou o café e deixou o sabor deslizar sobre a língua. Refletiu mais, com alma, enquanto vapores rarefeitos do café arquitetavam seu rosto. Já faz tempo, começou a dizer, havia uma tormenta política, uma degeneração do “bem” e do “mal”, de “esquerda” e de “direita”, um mundo de fantasias. Uma deformação da liberdade, daqueles que seguiam líderes às cegas, que usaram da religião para benefício pessoal, e que criavam lutas irreais dentro de batalhas alimentadas por mentiras. O inimigo era um fantasma, como o quarto escuro que dá medo em crianças.
Expunha seus argumentos e olhava para o horizonte entre montanhas pequenas. Sentia o vento refrescar o corpo. Lembrou-se que o domínio requer primeiro um sistema de dominação e de pessoas de servilidade a dominar. Aquele espetáculo político era uma forma de mentir, de criar confrontos, de gerar conflitos para que as cabeças dos incautos pudessem ter algo para defender e inimigos para acusar. As mentes, a psique, a alma, eram levadas para os campos de batalha como se depois das “guerras”, olhando para o “sangue” dos inimigos, pudessem sentir algum cheiro de vitória e grandeza. Estavam corrompidos pelo primitivo instinto, sem evolução!
Continuava: depois de certo tempo, toda a luta não vingou em vitória, e todo o esforço foi revelado como enganação e trapaça. Como sentimento comum, tropeçavam em suas vergonhas, mas por vaidade, jamais pediram desculpas ou puderam reconhecer, publicamente, seus erros e o mal que fizeram aos outros. Andavam de cabeça baixa, falavam baixo, recolhiam as mãos aos bolsos de calças ou casacos. Depois da guerra, a sensação era de tristeza profunda como a dor que fere a coluna vertebral.
Ninguém é vitorioso por vencer o adversário, e nem mesmo livre por conquistar a obediência de um escravo, ou se torna leve e puro porque sua boca proclama alguma divindade. A liberdade não é uma conquista frente aos outros, mas diante do espelho. O jovem auscultava e compreendia o que lhe era dito, sem permitir o fluxo rebelde da negação impulsiva. Conseguia se desvencilhar de si. Estava além de seus instintos.
O céu amplo agora era cortado por passarinhos a levitar. Com voz lenta de quem pensa o que fala [reflexão], descreveu que depois de “vencer” as eleições com um fio de diferença, havia mais a ser postado: a legitimação política. Ter êxito eleitoral não implica em ter sucesso político. Os desafios se enfileirariam na sequência do ciclo do tempo.
Naquele tempo a Política era feita por poucos e para poucos grupos, orientada para enriquecimento seletivo, e depois, como uma intervenção divina, concediam pequenos farrapos e poucas migalhas aos pobres de alimentos, de moradia, de escola, de medicamentos, de transporte. O tratamento político só viria se já houvesse feridas. O voto, naquele país, com gente sem cidadania, vibrava “demência” e “fraqueza”, concentrada na vontade de expulsar seus próprios demônios na derrota que pudessem imputar aos outros.
Tolos, se viam heróis! Expressão de seus traumas invencíveis, alimentado pela ganância, rancor e egoísmo! Votaram! Depois se achavam vitoriosos de coisas que desconheciam, ou derrotados e expulsos de palácios que nunca pisaram! Eram tolos! O café tinha acabado, saboroso num ambiente de paz! O tempo era invencível!