Iork usava um relógio grande de pulso, robusto, com sinais de ouro e ponteiros facilmente visíveis. A pulseira era igualmente sobressaliente. Tudo ali indicava força, energia, poder. A qualquer observador, Iork emitia a intuição de que o tempo estava sob controle. O relógio seria o instrumento adequado para tal poder. Iork tinha o tempo no pulso, inventariado pelo relógio. Iork tinha a sensação de estar no comando do tempo, de manifestar sua força e capacidade de decisão sobre o transcorrer das relações. Sempre que chegava a algum lugar, fazia questão de colocar o pulso sobre a mesa e demonstrar seu império pessoal.
Iork tinha compromissos e se ajustava em cada atividade para chegar sem atrasos. Quando o tempo lhe permitia, parava para tomar café e consultar mensagens, recados e, por vezes, ficar saltitando nas redes sociais sem saber o porquê. Pulando de site em site, Iork se perdia nas entranhas infinitas do labirinto sem lugar da internet. Quando se dava por si, não lembrava mais o que tinha feito naquelas redes chamadas sociais que tiram as pessoas da convivência.
Iork tropeçou em si mesmo e começou a ter algumas incertezas sobre seu comportamento. Primeiro porque se deu conta que não lembrava dos semblantes das pessoas na cafeteria há menos de quinze minutos: não lembrava dos semblantes das pessoas, das roupas que vestiam, de qualquer ocorrência, das cores das paredes; se haviam flores, se a iluminação era branca ou amarelada. Tentou buscar as características da xícara, do pires, da colher. As redes sociais, em muitas e muitas ocasiões, não permitiam que Iork fosse sociável, integrado ao público e aos ambientes. Embora seu corpo estivesse ali, sua percepção estava em qualquer lugar que não se sabe muito bem onde.
Iork olhou para o relógio e se deu conta de que o tempo estava encurtado, ainda que fosse o suficiente para chegar a tempo. Olhou fixamente para seu robusto relógio, enaltecedor do poder ...
Iork tinha compromissos e se ajustava em cada atividade para chegar sem atrasos. Quando o tempo lhe permitia, parava para tomar café e consultar mensagens, recados e, por vezes, ficar saltitando nas redes sociais sem saber o porquê. Pulando de site em site, Iork se perdia nas entranhas infinitas do labirinto sem lugar da internet. Quando se dava por si, não lembrava mais o que tinha feito naquelas redes chamadas sociais que tiram as pessoas da convivência.
Iork tropeçou em si mesmo e começou a ter algumas incertezas sobre seu comportamento. Primeiro porque se deu conta que não lembrava dos semblantes das pessoas na cafeteria há menos de quinze minutos: não lembrava dos semblantes das pessoas, das roupas que vestiam, de qualquer ocorrência, das cores das paredes; se haviam flores, se a iluminação era branca ou amarelada. Tentou buscar as características da xícara, do pires, da colher. As redes sociais, em muitas e muitas ocasiões, não permitiam que Iork fosse sociável, integrado ao público e aos ambientes. Embora seu corpo estivesse ali, sua percepção estava em qualquer lugar que não se sabe muito bem onde.
Iork olhou para o relógio e se deu conta de que o tempo estava encurtado, ainda que fosse o suficiente para chegar a tempo. Olhou fixamente para seu robusto relógio, enaltecedor do poder, e, novamente, teve incertezas. Percebeu que a única coisa que poderia fazer era assumir que o tempo lhe pressionava a fazer as coisas. Não era ele que fazia o tempo funcionar, mas o tempo que lhe dava ordens de se levantar e sair com pressa de onde estava. O tempo lhe gritava nos ouvidos internos: tinha compromissos. O tempo ria de sua pressa, da pressão dos ponteiros. Iork não tinha mais tempo; o tempo o tinha por completo: em pensamento, passos apressados, a sensação de estar atrasado.
Enquanto caminhava para cumprir as coisas no tempo daquele dia, Iork ouviu duas pessoas em discussão sobre alguns políticos. Não conseguiam se entender e estavam bebericando agressividades. De súbito, teve mais uma incerteza no dia: o que acontecia ali? Duas pessoas adultas, com olhos arregalados, sem ouvir um ao outro e falando alto, exasperando fúrias em nome de políticos que nunca tinham visto pessoalmente.
Iork se deu conta de que o tempo, as redes sociais e os políticos são invenções que provocam inversões. No último caso, os dois adultos faziam a transposição entre representantes e representados políticos. Deveriam ser os políticos a discutir e lutar por eles ali naquela esquina, e não os dois ao sol a tentar defender políticos que se importam com dinheiro do público, com poder e que fogem da transparência necessária de seus atos para esconder os desvios nos caminhos cheios de labirintos. Invenções que invertem a ordem das coisas.
Mestre em Sociologia Política