O eleitor é espírito que surge para ser rei em reinado curto, mas intenso. O eleitor nasce e vive em períodos eleitorais. Naquele tempo é apreciado pelos candidatos, há repertórios contínuos para sua consagração; é bajulado como determinador de futuros e adorado como decisor de sucesso. Todos os candidatos desejam seus desejos, querem seus quereres, representam o caminho para suas conquistas.
O eleitor se sente poderoso porque será pelo seu voto [diante de milhões de outros] que se decidirão processos de derrotas e vitórias pessoais de candidatos. O poderoso-chefão eleitor, protegido pela forma solitária e secreta de seu voto, vai se afortunar em sentimentos de juiz de causas políticas.
Diante de tanto poder de decisão, o eleitor se torna um Rei preguiçoso que espera a adulação pessoal e esquece seus compromissos de proteção do futuro de seus filhos e netos e de todos os súditos do tempo. Prefere o ar rarefeito do reinado de bajulações a se responsabilizar pelo que fará. Como Rei, tudo o que fizer [ou em quem votará] será resultado para todos que estarão a lutar sob o círculo do tempo. A decisão individual do Rei-Eleitor [voto] terá efeitos sobre todos. Por isso, voto é ato individual de consequências coletivas.
O Rei eleitor prefere a bajulação e se associa a candidatos como se desses fosse súdito adorador. Ao invés de observar em sua decisão [voto] um conjunto de destinos, se faz torcedor de um candidato qualquer e inicia rotinas de valorizar o candidato-time como se ali pudesse encontrar uma vitória pessoal. Eleitor não vence eleições: elege. Pudera ser a identidade do eleitor a preferência de um tempo futuro, e não ser membro de uma torcida.
Como torcedor, o eleitor passa a se manifestar em defesa de uma pessoa-candidato e se esquece de que o tempo simplesmente se fará sob sua cabeça. Assumir a eleição como um campeonato esportivo, cujo campeão será celebrado como vitorioso de uma disputa, anula os votos no tempo. Depois de aferir a conquista, o campeão e o torcedor deixarão seus sentimentos de vitória dedilhados num currículo, num registro do passado. Amortizada no passado, a eleição é um feito sem efeito. Acabado o campeonato, o campeão celebra a conquista, o eleitor aplaude. O reinado acabou porque a decisão não fora para o futuro, mas para a disputa imediata.
O ex-eleitor ficará à espera da nova jornada de Rei para receber pedidos de voto, para ser aclamado como importante e para, ao fim e ao cabo, se converter em torcedor. Receberá incontáveis manifestações em redes sociais para continuar como torcedor e para ter alguma noção de que a decisão realizada [voto] teve algum ponto não-linear de acerto. Dará likes em redes sociais e ficará passivo diante de tantas notícias e poucas informações. O ex-eleitor não deseja se sentir diminuído, e para gerar algum sentimento de força e acerto, tentará contornar os problemas de comportamentos de seus escolhidos como se ali fosse o balde ao fim do arco-íris. Não se fará cidadão enquanto for indivíduo de uma torcida e deixar em algum ralo sua condição política de tomar decisões que afetam a todos.
O voto é para o futuro, a eleição é para a política que se fará. A vitória de um eleitor é escolher um caminho, o candidato vem depois. Eleitor-torcedor não gera cidadania.