Janus, deus romano do tempo, é a marca das mudanças e transições. Janeiro, abertura de calendários, é o lastro da mudança, da renovação e das promessas de diferenças. Apesar de seus desígnios, há uma sensação de que o tempo apenas se acumula no calendário, sem transformação das coisas e das pessoas, e das relações, e das esperanças. Do futuro, em outros tempos, saltar ondas era deixar passar o que já se fora, marcar o impulso muscular para frente e dar passos largos adiante.
O ano de 2019, como rebento, se prometia nascido de transformação pela revolta. O voto de 2018 era a expressão da vingança, um tapa violento na cara do passado, um espasmo contra a traição por corrupção comprovada em acordos de leniência, um impulso contra a mentira contada como verdade.
A pandemia também sacudiu a caminhada do mundo. Lembremos dos casos de morte e o espanto do calvário dos já mortos acumulados em caminhões na Itália, do desespero em atendimento em saúde pública, da arca dos heróis dos incansáveis e, por vezes, desesperados, “linha de frente”.
Adiante, ao passar dos dias, o tempo ficara estagnado. As comemorações em festa marcadas em calendário, como ritos de passagem, perderam o sentido de impulso do tempo. A sensação de estarmos de olhos fechados desde então, vendo o sol nascer, a chuva cair, como se o tempo nada pudesse transformar.
Estacionados numa esquina que não avança pelo sinal fechado, estamos a esperar, e olhar para cima, à espera de um viride mais comum nas ervas e nas folhas das árvores do que na transição astronômica. Uma gravidez que, com leves contrações, prometia mais dor que nascimento.
Uma luta aqui, notícias e informações propositadamente falsas, ainda que construída com lógica formal-instrumental a lhe dar resultados de 1+1=2, a política se põe a navegar em embarcações cheias de furos e avarias. Naus de desfaçatez, remos de corrupção da verdade, velas de imoralidade dos cartões corporativos, dos recursos infinitos e com regras de boiada para fundos partidários e eleitorais, com fechamento para empresas, os ventos não são propícios à cidadania, à democracia, ao mínimo da boa vontade.
Depois de tantos pesadelos, em estado de insônia, já estamos cansados de nos encontrarmos no mesmo lugar, na mesma luta. Janus não nos veio, não trouxe do passado a ruptura, nem alavancou na passagem a transformação. Navegamos no mesmo mar, em círculos, e encontramos os mesmos no mesmo leme. De tanto rodar já não há como andar para frente. O tempo rodopia, a respiração em redemoinho não permitia a transformação.
Nas urnas as mesmas caras, nos discursos as mesmas arrogâncias, na postura as mesmas mentiras, e no tempo o mesmo passado. Janus, como exorcista, nos abre frestas diminutas, mal entra um mínimo raio de sol de inverno. No mesmo lugar ainda não andamos, a despeito do cansaço de tantos passos.