A Constituição Federal é a instituição da ordem política e social em qualquer país. E toda e qualquer lei ou conjunto de leis não pode ser endereçada a um grupo ou a desejos pessoais. Uma lei não pode ter CPF.
No caso brasileiro, a Constituição Federal já não pode ser rememorada por sua origem. As transformações são tão intensas e extensas que não se pode lembrar de seus sentidos na primeira infância. São tantas Emendas Constitucionais rabiscadas pelo Congresso Nacional, tantas designações deferidas pela Suprema Corte [STF], tantos aparelhamentos de origem do Poder Executivo que já não se pode ter a imagem de uma unidade constitucional.
A última das reformas constitucionais, ainda a caminho do Senado Federal, é uma viagem de privilégios e com muitas dívidas ao espírito republicano, minimamente, necessário. Tudo isso tem seu começo com o Fundo Eleitoral, Fundo Partidário, Emendas Parlamentares do Relator que consistem num plano de financiamento público de toda ação político-eleitoral. Como se já não bastassem todos os cantos e encantos da composição de um gabinete parlamentar e seus recursos para tudo o que ainda não é imaginado.
O segundo ato da ópera da aristocracia política, a que estamos submetidos, cobre o sistema de fiscalização e de punição relativo ao uso dos recursos. Agora, com a reforma eleitoral, tudo pode e tudo dá. Cada milhão do sistema eleitoral e do financiamento público permanente de cada dia pode ser usado para compra de imóveis, para pagamento de multas [caso se consiga punir] e pelo afrouxamento completo das punições possíveis. Tudo pode e tudo dá.
O ato seguinte do pavilhão dos palácios políticos é o refazer do que tinha sido considerado um atraso da estrutura de organização política: a volta das coligações partidárias, o ajuntamento dos estranhos para o jantar eleitoral de ocasião. É a desconfiguração de um “passito” de amadurecimento político-eleitoral.
Observado de cima, nunca se pagou tanto ao sistema público e nunca foi tão baixa a satisfação em direitos aos eleitores, que ficam estacionando os carros pretos e grandes, com vidros escuros e que chegam com motoristas particulares. Enquanto os que comem carne ao preço de R$ 1.800,00 [picanha wagyu] o quilo, saboreiam vinhos lustrosos, encomendam frutos do mar de elevada seletividade, nem mesmo as sobras da mesa podem nos ser compartilhadas.
O banquete político de políticos tem para si a faca, a fome e o queijo dos soberanos autocratas. O desprezo pela República [Coisa Pública], pelos eleitores [nem falemos em cidadania, a qual ainda nem chegara perto de nós], pela vida [visto que centenas de milhares mortos ainda não provocaram nenhuma sensibilização ou compaixão em políticos] é a versão mais cruel da política nacional.
Estamos pagando muito e muito caro para ouvirmos mentiras intencionais [fake News] e observarmos a desfaçatez e, ainda, como se vê nas redes sociais, a defesa de políticos pelo fantasma do comunismo [parece o reviver do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, em 1848]. Num mundo de tantos absurdos [termo que tem origem na música e se refere ao que é dissonante, fora de tom e de harmonia], o farelo que cai da mesa é o que é disputado pelos defensores dos comensais, já extasiados e rindo de piadas e sátiras. E muitos a aplaudir a existência do farelo no chão como símbolo que os liga aos poderosos risonhos. Sobre o passado, a gente aprende; sobre o presente, a gente reage.