Se você leitor me permitir, hoje traçarei um eito de desabafos. Hoje estou sem muito ânimo para falar sobre comportamento político que, por si só, tem sido desastroso, embora seja um caminho para o progresso da vida coletiva. Os impactos dos últimos dias ainda produzem efeitos.
Como pode um humano pretender a morte de outro humano [nem falarei de seu semelhante porque temo a interpretação egoísta na base do “igual a mim, eu primeiro”]. Nos últimos tempos podemos observar comportamentos cuja formação de caráter tem as folhas timbradas pela arrogância e pelo egoísmo. Uma necessidade de vencer, ao invés de diálogo produtivo e honesto. Talvez o sofrimento seja de afasia e o sentimento de narciso paroleiro; fala-se sem pensar. Pensamento é natural da espécie, mas a reflexão exige um pouco mais do que o impulso elétrico do cérebro.
Você acredita que sua vontade e opinião é suficiente para gritar, xingar, imputar desaforos aos outros ou desvalorizar qualquer discordância em referência às suas ideias? Por que tens opinião achas que deves ser ouvido? Não tens prudência absolutamente nenhuma? A perda da sensibilidade da importância do outro, da proeza de espécie [lembremos dos mamíferos], da atitude e do ato de proteção coletiva, é uma lembrança de que o indivíduo está inserido dentro de sua própria corrente sanguínea. Vê-se, monofásico, em seu próprio sistema orgânico, de pensamentos e de sentimentos da realidade da parte interna de sua pele: só pode doar-se a si mesmo. Os restantes são satélites de sua subjetividade.
Se tens vontade [e isso é condição de ser], tal não se converte em passarela para projetares a ti mesmo direitos pessoais. Se tens opiniões, por bom senso, guarda-a, amadurece, repensa. Não as vomita sobre os outros porque apenas e simplesmente tens vontade. Vives com os outros! [Não é um conselho, apenas uma reflexão].
Não consegues imaginar que os pais das crianças mortas estão a desabar no abismo da ausência permanente de seus filhos? Dos rostos que nunca mais andarão no tempo? Desconheces a dor dos outros estampada nos jornais, nas redes sociais? E tu, em tua covardia digital, ficas a espinafrar tua arrogância pela boca e pelos dedos? A tela te parece o espelho dos lagos de narciso revoltoso e vingativo? Ainda tens a petulância de sempre considerares que estás certo, porque é a tua opinião? Não há reflexão para se falar sobre os outros e sobre o mundo? Foste togado, por ti mesmo, ao cargo de juiz supremo, onisciente, onipotente?
Já te passou pela cabeça que gritas e acusas aos outros teus próprios medos e fraquezas? Reclamas nos outros a rejeição que sentes de ti? Deflagras teus gritos insubordináveis aos outros porque rejeitas a ti próprio? Por acaso é ali que te encontras, porque ali tu o és? És hoje teus desafetos de infância? Dizes, por dilatação, as virtudes que és, mas isso não seria apenas o desejo do que gostarias de ser? Será que é para ti que existes?
Tu que executas o rito matinal da autocoroação, para te estabelecer glórias, precisas gritar na primeira postagem? Mas quem és não te podes falar em público, porque, sem que saibas, são os outros que te dirão quem tu és.