Depois de mais de um ano de pandemia ainda não temos uma política de Saúde segura para prevenção, cuidados e tratamentos da população. Inauguramos o quarto Ministro de Saúde, fizemos buscas enlouquecidas por ventiladores mecânicos, protagonizamos aberrações humanas por ausência de oxigênio, não conseguimos planificar aquisição de vacinas, e estamos num sufoco pasmoso por falta de medicamentos para intubação. Organização e planejamento são obras raras na política executiva atual.
Depois de mais de um ano de pandemia encontramos nas redes sociais todos os ingredientes de guerrilha virtual com massacres de reputações, impropriedades intuitivas sobre tratamentos precoces, negligências sobre dados estatísticos de contaminados, sintomáticos, internados, letalidades e vitórias da vida. Encontramos afirmações sátiras, mórbidas e inconcebíveis sobre a potencialidade letal do coronavírus [não é uma gripezinha], sobre quantidade de mortos e o drama das covas abertas à espera, sobre onde encontrar vacinas, sobre a China...
Enquanto se tropeça no bom senso sobram incapacidade de apontar responsáveis pelo planejamento e execução de políticas de saúde; sobram sofrimentos de familiares e imprudências nos comportamentos sociais [descompromissados sociais em festas que se configuram como ritos de transmissão viral]; sobram profundos danos individuais no caminho percorrido por uma lágrima de despedida e um uma inundação de desgraças sociais.
A condição atual da Política de Saúde está arregalada, ao pavor das necessidades de lucidez, nos posicionamentos políticos sobre o vírus e o combate adequado. O caos no qual nos encontramos é tratado como instrumento político de poder. Recorre-se muito mais a uma satisfação pessoal emocional do que a cálculos de políticas públicas de saúde. Há dois grupos e mais de 370.00 mil mortos.
Temos mais guerrilhas de grupos, numa batalha amébica para saber quem será derrotado do que uma batalha contra a pandemia. Combatemo-nos uns aos outros. Somos usados e gostamos de sê-lo. Há uma satisfação pessoal na luta, um sentimento de vitória frente ao oponente: alguém de orientação política diversa, que não precisa nem mesmo ser oponente, somente diferente para ser satanizado. Uma era dos mitos medievais que se alicerçavam no terrorismo da acusação e no medo da punição. “De que lado você está?”, é uma pergunta de tolos e egoístas. É uma pergunta de sequestro e suplício do bom senso.
Como num jogo de futebol, os sentimentos de vitória e superioridade são benefícios pessoais, de autossatisfação e de prazer individual. Criar o adversário, lutar contra o adversário e vencer o adversário são mais requisitados do que uma política de saúde para benefício coletivo. Um benefício seletivo e pessoal é mais envolvente do que uma luta comum em nome de todos. União, não; guerra e guerrilha no campo da covardia virtual. E você se promove a julgador e juiz, mas nesse jogo você é torcida. Para você restará apenas o sentimento de vitória e de pertencimento, mas nenhuma conquista. Nenhuma conquista. Nenhuma conquista. Há dois grupos e mais de 370 mil mortos.