Qualquer grupo social, qualquer comunidade, qualquer sociedade somente poderão existir se estiverem sob tutela e orientação de estruturas maiores que a soma dos indivíduos. O que regulamenta, contrai e permite as atividades de cada um são as instituições sociais. É preciso acreditar nas instituições. E quanto mais fortes as instituições, quanto mais operadoras das relações entre as pessoas, mais forte uma nação, um grupo social, uma sociedade.
As nações europeias, longe de serem perfeitas, têm suas instituições como garantia intensa, muito intensa da vida social. São nações que constituíram sua existência atual pela condição histórica de terem que resolver problemas ou provocar mudanças políticas e sociais de tamanha grandeza que, para um desavisado, poderiam simplesmente sumir do mapa.
Não se autodestruíram! Ao contrário, bem ao contrário. O resultado de revoluções sociais e políticas foi o fortalecimento de suas instituições. Nenhum personagem da história política pode ser maior que as estruturas que regem as atividades; nenhuma tentativa de personalismo foi bem sucedida; nenhuma autocracia conseguiu resistir. É por isso que a cidadania, esse fenômeno que coloca o conjunto dos direitos coletivos acima dos desejos pessoais, pode prevalecer.
Cidadania é a crença numa existência extra-humana que verte “da força da luz”, vem de cima, explode sobre nós e se instala em nossos corpos. O primeiro movimento desses “espíritos” é de se espalharem em nossa vida. Transformam o pessoal, emolduram o desejo do instintivo mais primitivo, provocam uma luta contra o egoísmo e armam o senso coletivo. Quando a cidadania se constitui como elemento essencial da vida social vira uma “religião” de “beatos fervorosos” cujo templo é a vida pública.
Em condições de pandemia que tirou de nosso convívio falado e carnal mais de 310.000 [trezentas e dez mil] amizades deveríamos nos assegurar em instituições. Se a grandeza de uma nação pode ser medida pela força de suas instituições, então é justamente no momento mais crítico que tais “músculos sociais e políticos” deveriam se mostrar.
Quando um governante, personalista, tenta ser maior que instituições responsáveis pelo combate aos riscos e dramas da pandemia; quando um governante, numa tentativa de autocracia, sem nenhuma formação especializada, recomenda o uso de substância de tratamento não garantidas por instituições historicamente seguras como a ciência; quando um governante, institucionalmente eleito, faz de seus ministros bonecos de brinquedo, fica demonstrada a debilidade de uma nação.
Um governante, qualquer que seja, enquanto governante, não é uma pessoa; um governante é um valor social, uma orientação política, uma demonstração de força ou de fraqueza de uma nação. Ao governante não cabe o direito pessoal de querer, nem o desejo instintivo mais primitivo de seu egoísmo, nem tratar os “palácios” nos quais reside como se sua casa fosse.
O personalismo político joga pás de barro sobre o caixão da cidadania que desce lentamente à cova; o governante autocrático acende a chama do crematório do corpo de uma nação. No lamento, em gritos, de muitas mortes; na lágrima que escorre pelas caras dos lutadores pela vida; nos músculos magros que tentam levar comida à boca de seus filhos, muito se esvai: mais de 310.000 mortos, e muito mais tempo a percorrer na esperança de ver nascer a cidadania.