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Verdades do Potro [*]


 

O desejo da verdade sobre as pessoas e as coisas foi algo impulsionado com agonias na Idade Média. Nos processos de Inquisição levados a cabo com torturas e ameaças, os investigados poderiam confessar suas heresias e bruxarias. Ao confessar, o réu legitimava a condenação e caso encerrado; se não confessasse sofreria torturas tamanhas que já não importava a realidade dos fatos. E caso encerrado. A verdade estava antecipada e servia para gerar a “limpeza” dos impuros e das impurezas.

O Regime Feudal era mantido pela combinação da legitimidade religiosa cruzada com o poder político monárquico. Este contrato era mantido, em boa parte, pelo temor do mal que sempre estaria à espreita para atacar o Bem e desfigurar as Boas Condutas. O Bem se posta como juiz e se promove a defender a sociedade utilizando-se do terror, da violência e da força.

Obviamente é preciso compreender a sociedade em seu contexto de criação e formação. Na Idade Média, tudo ali se justificava pela trajetória dos ingredientes da história. Não poderia ser minha vontade a explicar as ocorrências que lá se fizeram. Minhas veias e meu sangue não podem me fornecer tal sabedoria. Eu, como intérprete, preciso recorrer a algo “fora de mim” para compreender os fatos e suas relações de existência.

Sempre que eu imponho meus desejos e minhas verdades [que só são úteis para meu ego] faço com que o mundo e as vidas só possam ter uma possibilidade: eu somado a mim. Percorro as trilhas da inquisição, cuja verdade pronta antecipa a condenação.

A Modernidade, este novo período da organização da sociedade e das vontades, passou a se ajustar pela ciência. É exatamente por isso que a educação é um processo fundamental neste novo processo civilizatório entre os humanos. As formas de vida e os contratos sociais passam a ser organizados por princípios de impessoalidade. É exatamente por isso que existem as leis [sempre impessoais] com o poder da punição. Você poderá sofrer sanções em caso de flagrante delito ou por processos judiciais legais. Independentemente do caso o processo só se legitima com o pronunciamento do contraditório.

O contraditório, como instituição, descreve a impossibilidade da verdade antecipada, da vontade individual, do autoritarismo, da tortura, da violência. O contraditório é fundamento da Democracia. Esse “Governo do Povo” só pode sê-lo se for impessoal e, sendo impessoal, submeter-se à crítica constante. Aqueles que não suportam a crítica caminham no mundo como se o mundo fosse próprio de si mesmo. Não quer lembrar que depois de si o mundo continua.

E tudo isso fica mais agudo quando elegemos governantes [dos poderes executivo, judiciário e legislativo] para agirem pela nossa vontade e nunca a deles próprios. A política, esta em maiúsculo, é a instituição para que outros poucos representem nossos “desejos”. Mas nos últimos tempos a democracia parece que pulsa no tom do “Povo do Governo”.

Nem tão distante da Idade Média, os detentores da verdade inspirada nas próprias veias são incapazes de agir com as críticas. Pelas suas verdades que ardem na boca como sal na afta, condenam os diferentes, massacram os críticos, dilaceram reputações; críticos são vistos como inimigos de si, inimigos da verdade, inimigos do bem. Críticos, para os donos da verdade, são adoradores do mal. Um mundo nem tão distante da Idade Média. Um governante de hoje, por razões encontradas na Modernidade, deveria se inspirar nas críticas ao invés de condená-las!

[*] Potro ou “Cavalete de Tormento” é um instrumento de tortura constituído por uma estrutura de madeira na qual o investigado ou condenado era deitado com braços e pernas amarrados em torniquetes gerando pressão até os membros se desconjuntarem ou causar ausência de circulação.


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