Como começou a história do Anacleto com o futebol da região?
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Anacleto: Eu comecei no esporte aos 10 anos, no dente de leite do Marcílio Dias. Naquela época não tinha nem alambrado, não tinha nada. A gente ia ver os jogos e comecei a gostar do esporte. [Quais eram os principais jogadores do Marcílio?] Na década de 60, tinha o Marcílio Dias, o Barroso, o Metropol, o Caxias, o América, o Palmeiras, o Olímpico de Blumenau, muitas equipes. Os dois de Lages, o Internacional e o Lages também. Eu tive o prazer de ver muitos craques atuarem. A maioria fazia parte da seleção catarinense de 58, que foi a melhor seleção que o estado já teve. Eu via muitos jogadores do Marcílio, do Barroso e do Metropol. [Você fez a categoria de base no Marcílio, mas na hora de subir para o time profissional, a dupla de zaga do Marcílio era talvez a melhor da história do clube...] Não só a dupla. O Marcílio tinha o Zé Carlos, que era um baita goleiro, o Barreira, o Antoninho, o Ivo Mayer e o Joel Santana. Os dois eram zagueiros da seleção catarinense. O Antoninho Carvalho também era da seleção. O Joel Reis também. Tinha o Sombra, que também era da seleção. O Odilon, que veio de Curitiba, era da seleção paranaense. Nós tínhamos aqui o Dão, o Alexandre... Nós tínhamos um dos melhores ataques de Santa Catarina: Ratinho, Renê, Idésio, Aquiles, Jorginho. O Barroso também era um bom time. Na época eu era jogador da base e a gente treinava todo dia contra eles. A gente se entrosava. Não menosprezando, mas hoje, esses jogadores que estão no Marcílio, no Barroso, em Santa Catarina, a gente sente falta dos jogadores antigos. [Nessa época, com tanto craque no Marcílio e no Barroso, você foi emprestado?] Isso. Quando eu tinha uns 16, 17 anos, naquele tempo tinha o jogo da preliminar. E, até por coincidência, o nome do treinador chamava-se Vasco da Gama. Ele era técnico do Vasco da Gama de Caçador — hoje o clube se chama Kindermann. Ele viu eu, o Bebé e o Décio — nós três jogávamos na base do Marcílio — e fez uma troca. O Marcílio trouxe o Jorge Tijolo e o Téquio, e nós três fomos para o Vasco da Gama de Caçador.
"Tive o prazer de jogar com um dos melhores zagueiros que vi na vida, o Beto Fuscão."
Quando você encerrou sua trajetória no futebol e decidiu que seria bancário?
Anacleto: Tive o prazer de jogar com um dos melhores zagueiros que vi na vida, o Beto Fuscão. Jogamos juntos no Tiradentes de Tijucas. Depois ele foi para o América de Joinville e eu fui para o Tupy de Joinville. O seu Waldo Schutz foi presidente do Joinville. Na época, não existia ainda o Joinville Esporte Clube, só o América, o Caxias e o Tupy. Eu tava em Itajaí, de férias, e teve um amistoso. Fui jogar e ele gostou do meu futebol. Veio falar comigo e perguntou se eu era profissional. Eu disse que jogava no Tupy de Joinville e trabalhava lá também. Ele perguntou quanto eu ganhava. Falei o valor. Aí ele perguntou: “Você tem estudo?”. Respondi que sim. E ele disse: “Você quer ser bancário?”. Eu falei: “Se der certo, a gente vai”. Fui ganhar três, quatro vezes mais do que ganhava no Tupy. Entrei no banco e fiz minha carreira como bancário.
O Marcílio foi um dos maiores clubes de Santa Catarina, o que conspirou para ele ser a referência no estado. Por que hoje não consegue ser?
Anacleto: O Metropol era o melhor time do estado. O Marcílio era o segundo. Na verdade, em 60, 61 e 62, as finais foram entre eles — e o Metropol ganhou as três. Na última decisão, aqui em Itajaí, o Marcílio estava preparado para ser campeão. Deu azar que os goleiros, o Fernando e o Zé Carlos, se machucaram. Pegaram o nosso goleiro da base, o Osni — todo mundo lembra dele, o Osni da dona Esther. Ele era o goleiro da base do nosso time. Foi jogar. Infelizmente, na primeira bola, o Metropol fez um gol aos dois segundos. Bateram no centro, o Nilson bateu por cima dele, a bola entrou. E foi aquele 1 a 0. O Marcílio perdeu por 1 a 0. Eu assisti aos três jogos, todas as finais desse campeonato. [E por que a gente não consegue mais chegar àquele auge que tivemos na década de 60?] Naquele tempo o futebol era mais técnico. Hoje, o futebol é mais físico. Os jogadores eram muito técnicos. O Metropol, na época, trouxe o Nilson, que era jogador do Botafogo; o Carbone, que jogou no São Paulo e na Seleção Brasileira; o Rubens, goleiro do Dorni e o Edson Madureira. Depois, o Marcílio vendeu o Idésio pro Metropol. Era um time muito bom. O Marcílio tinha uma coisa: quando chegava na hora da decisão, não ia... [Tanto que o título do torneio Luiza Mello não teve o Metropol…] Não teve. O Marcílio foi campeão e o Barroso foi vice. O Pedro Lopes, que era presidente da federação, deu ao Marcílio o título de campeão, mas eu digo pro pessoal: dentro das quatro linhas não foi. Tanto que o título só foi reconhecido 20 anos depois.
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"Naquele tempo o futebol era mais técnico. Hoje, o futebol é mais físico."
Mesmo no banco, você seguiu envolvido com o esporte e organizou o time dos bancários?
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Anacleto: Eu entrei no banco em 1972 e não existiam jogos bancários. Quem me conhecia falou com o presidente do sindicato para me colocar nessa função, e ele colocou. Eu organizava o campeonato estadual e o campeonato citadino. Fui o atleta que mais disputou campeonato bancário estadual: foram 30 estaduais e 29 regionais. Já era futsal. Mas houve uma época que teve futebol também. A gente se reunia. Naquela época, a seleção de Itajaí era formada quase toda por bancários. Os bancos tinham tanta rivalidade no futebol que contratavam jogadores só porque jogavam bem. O Marcílio tinha bastante jogador que era bancário: Ivo Mayer, Joel, Zé Carlos...
O amador de Itajaí era muito forte. De onde surgiu a tradição na cidade?
Anacleto: O Campeonato Amador de Itajaí sempre foi forte. Muitas pessoas não sabem, mas nós tivemos muitos times bons aqui. A equipe que mais tem títulos no futebol amador de Itajaí chama-se União de Navegantes — é de Navegantes mesmo. Depois tivemos o Cometa, que também era um bom time. O Cometa revelou alguns jogadores que jogaram no Marcílio, no Avaí, no Figueirense. Na primeira participação do Avaí e do Figueirense no Campeonato Brasileiro, os dois goleiros eram do Marcílio: o Zé Carlos, que era de Itapema, e o Nilson, também de lá. Eles jogavam tanto que saíram do Cometa para o Marcílio e o Figueirense veio buscar eles. Tivemos muitos outros times campeões, mas hoje o Campeonato Amador, tecnicamente, não é como antes. Antigamente, a gente jogava por amor à camisa. Hoje, a gente vê muita confusão. Qualquer coisinha já vira briga. [Você ainda acompanha o futebol amador de Itajaí?] Acompanho. Sou associado do CCI, o Centro de Convivência dos Idosos. Lá, os jogos são de canastra, dominó, torneios. Também faço parte da IAT, a Associação de Esportes Adaptados de Itajaí. Começamos com um grupo brincando e formamos essa associação que já tem 23 anos. Fomos campeões brasileiros e também dos Jogos Abertos em handebol e voleibol. E você, que já tem 50 anos, pode participar com a gente. Os treinos são de segunda a sexta-feira, a partir das 8h, no Gabriel Collares. Você será bem recebido. Eu pratico esportes, handebol, até hoje.
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"... A gente via Bellini, Mauro Ramos, Djalma, Pelé, Gerson, Clodoaldo, Rivelino. Esses caras ficam na cabeça da gente"
Como você já disse, a qualidade técnica do futebol amador caiu. Mas tem como resgatar?
Anacleto: Resgatar é fácil, mas é difícil aguentar. Vamos supor: eu contrato você por R$ 200. Aí o outro time oferece R$ 300. O cara larga o time de R$ 200 e vai pro outro. Virou negócio. Os caras querem dinheiro. [E o nível técnico?] Bem diferente. Os caras não dominam uma bola. É só chutão pra frente, muita briga. Não vão na bola, vão pra machucar o companheiro. [Até o futebol profissional está mais físico do que técnico…] Antigamente a gente tinha craques, a gente marcava. Hoje, o cara joga um ano num time, no outro ano já está em outro, e a gente nem lembra mais. Na década de 60, do Vasco, Flamengo, Fluminense... Aqueles times marcavam. Hoje, o jogador para de jogar e é esquecido. Não é como antigamente, com Garrincha, Didi, Pelé, esses caras todos. Eu sou flamenguista desde que nasci. Se perguntar o time do Flamengo da década de 50 ou 60, eu sei. Agora, da década de 80 pra frente, a gente não lembra mais. Porque hoje ele joga aqui, amanhã joga lá. O futebol mudou muito.
Você acredita no hexa da Seleção Brasileira?
Anacleto: A gente acompanha. Eu nasci em 1946. Em 50 teve aquela seleção que perdeu aqui, mas eu era gurizinho ainda. De 58 pra cá, sim. Me lembro de tudo. Mas não vai ter mais aquelas seleções. Naquele tempo, sabe quem era a base da Seleção Brasileira? Santos, Botafogo, Flamengo, Vasco, Palmeiras. Hoje tem jogador na seleção que a gente nem sabe quem é, nunca viu. Agora foi o Vini Jr., mas também não está jogando mais nada. O outro zagueiro lá... o que ele fez contra Portugal... Naquela época, a gente via Bellini, Mauro Ramos, Djalma, Pelé, Gerson, Clodoaldo, Rivelino. Esses caras ficam na cabeça da gente. E outra coisa: não sou contra técnico nenhum, mas os técnicos brasileiros não estão sendo aproveitados. Por quê? Porque não são eles que convocam os jogadores. É o empresário. Eu sou empresário, meu jogador vai jogar... Aí começa essa briga. O Ancelotti tá aí. Vamos ver se ele consegue fazer isso. Mas eu acho difícil. [Como você analisa o Neymar? Ele é fundamental para conseguirmos mais uma Copa do Mundo?] Craque. Se ele quiser jogar e se cuidar, é um baita jogador. Eu queria ele no Flamengo. Mas acontece o seguinte: ele é um cara que não se cuida. Diz que está machucado, mas vai pra boate... A vida particular ele não sabe separar. Isso é ruim. [É só o cuidado com o corpo? Ou a paixão pelo esporte faz diferença?] O cuidado com o corpo é fundamental. Os caras vestiam a camisa da Seleção Brasileira e se transformavam. Jogavam com vontade, com garra, com determinação. Na Copa de 58, quando o Brasil tomou o primeiro gol, lembro tão bem: o Didi pegou a bola dentro da trave, saiu, conversou com os caras e disse “vamos jogar”. O Brasil fez cinco na final. A gente via Pelé, Didi, Tostão, Clodoaldo... Eles jogavam como música. Hoje tem mais individualismo do que conjunto. Antigamente, a gente sabia de cor e salteado a escalação da Seleção. Hoje, a gente não sabe mais.
"A arbitragem está uma desgraça. Naquela época tinha juiz bom mesmo, que apitava direito."
Como você analisa a influência das casas de apostas, as bets, no futebol?
Anacleto: Jogador entregando o jogo... O cara vai lá, oferece dinheiro, e os jogadores entregam. Naquela época não tinha isso. Nunca ouvimos falar. Hoje tem muito. Eu sou flamenguista, mas o Bruno Henrique também errou. Tem jogador que a gente nem sabe se está entregando o jogo no campeonato. [Outra coisa que não tinha e que hoje existe é o VAR. Qual a sua opinião sobre o VAR?] O VAR depende da equipe que está em campo. Naquele tempo, não tinha. O juiz dava a falta e pronto. Hoje, se o juiz marca uma falta, o VAR chama. Você viu agora no jogo entre Cruzeiro e Palmeiras? Entrada criminosa naquele jogador do Cruzeiro. Chamaram o VAR e o que ele fez? Nada. Nossa arbitragem está uma desgraça. Naquela época tinha juiz bom mesmo, que apitava direito. [Se tivesse VAR entre Marcílio e Metropol, o Marcílio teria ganhado alguma vez? A arbitragem puxava pro Metropol...] Não, não puxava, não. O Marcílio teve azar. A decisão foi contra o Metropol, lá em Florianópolis. Eu estava naquele jogo. O Marcílio ganhou por 4 a 3. A final foi aqui e o Marcílio perdeu.
Qual é o segredo para se manter ativo, com boa memória e praticando esportes aos 80 anos?
Anacleto: Eu sempre fiz academia, sempre caminhei, sempre pratiquei esporte. Agora, se você me perguntar o gosto do cigarro, o gosto da bebida alcoólica... Nunca fumei, nunca bebi. A única coisa que eu gosto é, quando vou num salão, tomar umas duas, três garrafinhas d’água ou uma cervejinha preta — e pronto.
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