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Como o senhor avalia a segurança em Balneário?
Araújo: Eu tenho repetido, por convicção, que um dos grandes desafios é que assumo a secretaria em um município que já tem um alto padrão de segurança. Primeiro, em termos de resultados, os índices de criminalidade, quando comparados com o restante do Brasil, são infinitamente menores e compatíveis com o restante do estado, que é, em vários rankings, o mais seguro do Brasil. Nós encontramos uma estrutura municipal de suporte, de apoio e de exercício da segurança pública bastante organizada, com uma guarda municipal já antiga, veterana, testada nos seus erros e acertos, madura, com profissionais experientes, que conhecem a cidade, suas dinâmicas, e que já experimentaram e consolidaram várias estratégias. Encontramos também um alto grau de integração entre as forças de segurança. Eu já acompanhava de longe essa integração, não só a operacional visível, mas também a troca de informações e cooperação entre as polícias Militar, Civil, Guarda Municipal e Polícia Científica. E, por último, a prefeita Juliana colocou a segurança pública como prioridade, entendendo que segurança pública, numa cidade como BC, não pode ser apenas mais uma característica, não pode ser só um requisito. [Quais são os principais gargalos?] Há alguns gargalos que precisam ser enfrentados. Um maior controle sobre pequenos crimes que incomodam a sociedade. Eu destaco dois que chamam atenção: o furto de bicicletas e o furto de celulares, que é uma praga na maioria das cidades do país, junto com o furto de fios. São crimes que, de modo geral, a legislação trata como de pequeno potencial ofensivo, mas na prática comprometem bastante a qualidade de vida das pessoas.
"A Guarda Municipal de Balneário é a mais antiga do estado, tem uma baita estrutura, uma história na cidade e conhece seu funcionamento"
O senhor assume a secretaria às vésperas das festas de fim de ano, quando milhares de turistas chegam à cidade. Como garantir a fluidez no trânsito e qual o esquema de segurança para o réveillon?
Araújo: Eu já encontrei esse planejamento praticamente finalizado. Ele vai ser apresentado no final da próxima semana, após ser validado com a prefeita. A instalação do centro de operações na praça Tamandaré será mantida como ponto de referência da segurança, irradiando ações de segurança e zeladoria. Também haverá reforço na fiscalização de posturas, para garantir que a microdesordem que vem com o verão seja melhor gerenciada. Quanto à GM, a atuação será em dois eixos. Primeiro, nos locais com maior concentração de pessoas e ocorrências, com base na estratégia do policiamento em pontos quentes. Estar presente onde é mais provável haver problemas, não apenas para responder mais rápido, mas principalmente para prevenir. As ações voltadas à mobilidade terão atenção, em sintonia com os agentes de trânsito. A fiscalização será focada em infrações que mais impactam a mobilidade, como estacionamento em local proibido, parada em fila dupla e também questões de desordem, como o som alto.
"Santa Catarina tem o maior índice do Brasil de presos que trabalham"
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Como garantir que patinetes e ciclomotores sigam a regulamentação e as regras de trânsito?
Araújo: Nós temos uma dificuldade muito grande em relação à educação para o trânsito. Existe um binômio fundamental: educação e fiscalização com repressão. O que nós fizemos em Florianópolis e pode ser aplicado aqui: na área da educação, desenvolvemos uma série de oficinas para os condutores, em parceria com as empresas que exploram esse serviço. Isso atinge aquela faixa de usuários que infringe a norma por desconhecimento. Pros demais, entra a repressão, com abordagens, identificação e aplicação das punições previstas na legislação, e sanções pras empresas que alugam os equipamentos, como o cancelamento da licença.
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"A cultura da impunidade é um fator que incentiva o comportamento criminoso"
O senhor já comandou a PMSC nos governos de Pinho Moreira (MDB) e Carlos Moisés (sem partido). O senhor ficou refém da política ou teve carta branca para agir?
Araújo: O que eu percebi com os gestores com quem trabalhei foi uma preocupação real com a questão da segurança pública. Isso acabou gerando a percepção de que é preciso deixar o técnico trabalhar, porque o resultado acaba sendo o maior dividendo político que um gestor pode ter. Eu entrei como subcomandante ainda na gestão de Raimundo Colombo, o que já é considerado primeiro escalão. Confesso que nunca tive dificuldade em relação a interferência, cerceamento ou orientação política ou ideológica na minha atuação na segurança pública. Parece que isso deu certo.
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"A pessoa em situação de rua é um problema multidimensional"
Após deixar o comando da PM, houve a possibilidade de assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Por que não houve a nomeação?
Araújo: No final, houve uma movimentação de cunho político. Eu acabei recuando, achando que estava se perdendo a finalidade do que se queria. Naquela ocasião, o ministro da Justiça buscava um técnico ligado às polícias militares. Quando o Sergio Moro saiu, se cogitou que o Jorge, que era da Secretaria de Governo, assumiria o ministério. Ele já havia me formulado o convite. Mas com a troca e a nomeação do ministro André, ele incorporou essa indicação. No entanto, houve uma discussão política e a nomeação começou a demorar. Surgiu o nome do coronel Paim, um expoente da PM do Distrito Federal, oficial com bastante experiência. Ele foi identificado como um potencial secretário, assumiu o posto e fez um trabalho primoroso.
"Nunca tive dificuldade em relação a interferência, cerceamento ou orientação política ou ideológica na minha atuação na segurança pública. Parece que isso deu certo."
O que o motivou a aceitar o convite feito pela prefeita Juliana Pavan para assumir a secretaria?
Araújo: Quando conversei com a Juliana pela primeira vez, me entusiasmei com a possibilidade de fazer parte desse projeto por duas razões. A primeira é essa visão focada na pessoa. Os rankings são importantes, mas as pessoas precisam se sentir bem, precisam confiar, sentir a presença da força policial. A segunda é que Balneário Camboriú tem um desafio de segurança pública muito parecido com o de Florianópolis. É como se fosse uma moeda com duas faces. Você tem que fornecer a melhor segurança possível para as pessoas que nos visitam, porque isso representa a principal fonte de prosperidade, de riqueza, é o motor econômico da cidade — sejam turistas ou investidores. Mas também tem que oferecer o melhor para quem mora aqui. Isso precisa chegar aos bairros, às comunidades, às vielas, às transversais. Por isso, é essencial aprender com quem já está na cidade e temos grandes operadores aqui. A GM de BC é a mais antiga do estado, tem uma baita estrutura, uma história na cidade e conhece seu funcionamento. As polícias Militar e Civil prestam um grande serviço. [Por que o senhor acha que, no passado, existia divergência entre as forças policiais de BC?] Eu acho que não era algo exclusivo de BC. Acompanho o cenário nacional e participo das discussões em nível nacional. Esse acirramento de relações entre PM e Civil, que era tão comum há 10, 15 anos, foi sendo gerenciado e discutido. Hoje, tenho até uma teoria sobre isso: quando o bicho pega, as pessoas se juntam. [Foi o senhor quem determinou a saída do comandante Evaldo Hoffmann no passado de BC?] Não, ao contrário. Na verdade, acho que deixei mais amigos do que desafetos na PM. O Evaldo foi meu comandante na Polícia Rodoviária Estadual, que é um dos comandos mais cobiçados e prestigiados dentro da corporação. Quando ele saiu daqui, foi para a Polícia Rodoviária Estadual, que é um comando de abrangência estadual, com maior complexidade e maior interação na busca e uso de recursos.
"A criminalidade, especialmente a organizada, passou a desafiar mais fortemente as forças policiais. Isso fez com que elas compreendessem a necessidade de atuar de forma integrada."
Na sua visão de combate à criminalidade e na sensação de segurança, prender usuários que fumam maconha em espaços públicos é uma solução eficaz no enfrentamento ao tráfico?
Araújo: Bom, essa é uma pergunta que sai do prático e vai um pouco para o teórico. São duas coisas diferentes. Uma é o comportamento no espaço público relacionado ao consumo de drogas, que gera uma série de situações de insegurança — seja pelas ações dos usuários, seja pela percepção das pessoas. Mesmo que não esteja acontecendo nenhum outro crime além desse, quando você passa por duas pessoas fumando maconha, num entardecer, numa rua deserta, a tua sensação não é legal. Hoje, não cabe mais prisão. Na minha avaliação, as políticas de desencarceramento e de descriminalização do uso de drogas tiveram um impacto bem negativo sobre a segurança. Também tornaram o trabalho policial muito mais difícil. O resultado é ruim para o cidadão. Minha opinião sobre isso é que não acaba com o tráfico, mas reduziria a desordem no espaço público, que é um fator indutor, facilitador e motivador de outros crimes. Acho que a qualidade de vida nas cidades melhoraria bastante se o comportamento de uso de drogas fosse reprimido com mais dureza.
"Vivemos desafios muito grandes na segurança pública, que são fruto de políticas públicas equivocadas nas últimas décadas."
Sobre a população carcerária, o Brasil é o país que mais prende pessoas no mundo. O senhor acha que hoje o sistema prisional brasileiro consegue ressocializar?
Araújo: Depende. Nós temos bons e maus exemplos. Santa Catarina tem o maior índice do Brasil de presos que trabalham. Vou falar da minha experiência, tanto na ressocialização quanto na redução do poder das organizações criminosas dentro das cadeias, porque o acesso ao trabalho era uma das moedas das facções dentro do sistema prisional. Quando o trabalho se tornou pleno, se tornou abundante, eles perderam essa moeda de troca e, com isso, perderam bastante poder dentro das cadeias. [Eles só permitiam que os indicados por eles fizessem trabalho...] Exatamente, porque havia poucas vagas. O que eu acredito, aplicando à realidade de BC, é que quem infringe a lei precisa saber que há consequências. Elas podem ser graves ou leves, mas a pessoa precisa saber que haverá consequências. A cultura da impunidade é um fator que incentiva o comportamento criminoso. Traduzir isso para uma cidade talvez seja o maior desafio. Se você não tiver a capacidade de aplicar a lei e gerar nas pessoas a sensação de que ela pode ser aplicada, é muito difícil controlar. Por isso, uma das recomendações da prefeita foi que, nas estratégias que cabem à prefeitura, a atuação seja dura. Que sejamos legalistas, mas rigorosos na aplicação da lei, para que as pessoas percebam que a forma de conviver em BC é respeitando as regras, respeitando a ordem.
Como o senhor analisa a presença de pessoas em situação de vulnerabilidade social nas ruas? Trata-se de um problema social ou uma questão de segurança pública?
Araújo: A pessoa em situação de rua é um problema multidimensional. Normalmente, tem origem social, na maioria das vezes associada a uma condição de saúde — principalmente de saúde mental —, com forte repercussão na ordem pública, especialmente pelo uso do espaço público. Por isso, a solução é tão complexa: exige um leque de estratégias. Balneário Camboriú tem se esforçado e tem adotado algumas ações mais eficientes, outras menos. Eu pretendo, a pedido da prefeita, me envolver ao máximo nessa dimensão, que é o impacto sobre a segurança pública. Pessoas em situação de rua se encaixam em várias “caixinhas”. A nossa responsabilidade, como segurança pública, é compreender as diferentes caixinhas e atuar sobre aqueles que representam essa fatia mais nociva: os que roubam fios, que extorquem a velhinha na saída da igreja, que atacam o adolescente indo para o colégio — seja pedindo dinheiro, seja rondando à noite e ameaçando as pessoas.
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