Diz aí, Gularte!

"O meu grupo tinha controle e mapeamento de todos os traficantes da região"

Juelci Gularte, 72 anos, policial federal aposentado, contou à jornalista Fran Marcon e ao advogado Miro de Souza alguns episódios de sua carreira de 44 anos de serviços prestados à PF

FOTO: FRAN MARCON
FOTO: FRAN MARCON
miniatura galeria
miniatura galeria
miniatura galeria
miniatura galeria
miniatura galeria
miniatura galeria
miniatura galeria
miniatura galeria

O senhor se aposentou no começo de julho da Polícia Federal, após 44 anos e dois dias de atuação na corporação. Como se sente nessa nova fase?

Continua depois da publicidade

Gularte: Eu saí da polícia, mas a polícia não saiu de mim ainda. Eu iniciei em 81 em Porto Xavier, no Rio Grande do Sul, posteriormente fui removido para o Paraná. A direção ...

Já tem cadastro? Clique aqui

Quer ler notícias de graça no DIARINHO?
Faça seu cadastro e tenha
10 acessos mensais

Ou assine o DIARINHO agora
e tenha acesso ilimitado!

Gularte: Eu saí da polícia, mas a polícia não saiu de mim ainda. Eu iniciei em 81 em Porto Xavier, no Rio Grande do Sul, posteriormente fui removido para o Paraná. A direção-geral achou por bem renovar Foz do Iguaçu, que tinha muitos problemas, e fomos em 50 policiais. Depois eu vim para cá. Me formei inicialmente na minha vida acadêmica em Santana do Livramento. Estudei inicialmente em escola rural. Depois fui para o exército, onde eu fiquei cinco anos e sete meses, dando continuidade nos meus estudos. Terminei o ensino médio, fiz faculdade de educação física e pós-graduação em Santa Maria. Depois eu fiz Direito e pós-graduação aqui na Univali. Estou há 44 anos e dois dias nessa instituição maravilhosa, que é um orgulho nacional. Sempre trabalhei no setor de operações, na área da inteligência, tive passagem pelo passaporte rapidamente, porque o meu perfil sempre foi operacional.

Continua depois da publicidade

O senhor trabalhou no Rio Grande do Sul, em Foz do Iguaçu, mas a maior parte da sua trajetória na PF de Itajaí. Em que ano chegou à cidade e qual era o crime que mais preocupava na época?

Gularte: Eu cheguei em 88 aqui. Logo no primeiro mês, nos designaram para uma missão bem espinhosa lá em Ponta Porã. A gente é lotado aqui, mas viajava sempre para vários estados e já focamos no tráfico de drogas. Nós criamos alguns métodos de investigação, naquela época, na delegacia de Itajaí, que persiste até hoje, que serviu de modelo para quase toda a Polícia Federal no Brasil. A nossa equipe era requisitada para vários estados. A Delegacia de Itajaí, somente a nossa área de circunscrição, são 47 municípios e são muitas demandas. O meu grupo tinha controle e mapeamento de todos os traficantes da região. Quando eles eram presos, eles falavam: “não adianta traficar aqui, vocês parecem que têm bola de cristal”. Era empenho, era aquela doação para o trabalho e quem lucrava com isso era a sociedade.

Continua depois da publicidade

Quais foram os casos mais emblemáticos da sua atuação na PF de Itajaí?

Gularte: São tantos. Eu trabalhei, por exemplo, investigando Sérgio Roberto Carvalho, famoso major Carvalho, considerado o Pablo Escobar brasileiro. Ele era major reformado da PM, no Mato Grosso, e estava constantemente marcando encontros de negócios do tráfico aqui na nossa região. Foram meses, anos de investigação, em conjunto: a PF daqui com a de outros estados. Normalmente, ele vinha para o litoral e era acompanhado, a gente ficava perto dele, como turistas fôssemos também, para tentar captar alguma coisa. Eu lembro que ele, algumas vezes, para não dar bandeira, vinha de avião e deixava o avião dele em Blumenau. Recentemente ele foi preso na Hungria. Ele até forjou a morte dele. Foi condenado na Espanha, em Portugal e no Brasil.

O senhor atuou na operação que prendeu o barão da cocaína, Jarvis Chimenez Pavão. Como ele se tornou tão poderoso no tráfico no Mercosul?

Gularte: Muito. Eu lembro que no dia da audiência no fórum de Balneário Camboriú, o meu depoimento começou à uma e terminou às 19h30. Ele tinha casa no Balneário, onde residia sua família. Também marcava encontro na Vila Real com seus clientes. Até onde eu sei, teve muito tempo preso no Paraguai. Ele está preso na penitenciária de segurança máxima. [Como ele se tornou um traficante tão poderoso?] A conclusão que chegamos na investigação é de que ele é uma pessoa muito articulada e inteligente. Infelizmente, usava a sua capacidade para o crime. Ele convencia todo mundo. Era um líder assim. Ele honrava os compromissos que assumia com seus clientes. Ele foi adquirindo confiança, foi crescendo e virou o maior fornecedor para os estados do sul. O escritório do crime era na Vila Real, onde ele tinha uma casa muito grande. [Qual outro caso emblemático pode citar?] Teve um alvo nosso, Júlio César Viese, de Ituporanga. Nós apreendemos três ou quatro cargas, eles usavam avião para arremessar drogas nos reflorestamentos na região de Otacílio Costa. Por muito esforço, a gente descobria e quando eles iam no local para tirar as coordenadas às vezes a gente conseguia acompanhar. Eles iam tranquilos porque não tinha nada, eles iam lá só para tirar as coordenadas e para depois o avião fazer o arremesso. A gente percebia que eles começavam a se movimentar no final de semana naquela região e a gente se disfarçava de colono, de qualquer coisa. Fizemos muitas apreensões. Esse foi um alvo, está em liberdade, de uma família bem tradicional de Ituporanga. Infelizmente, uma pessoa que tinha tudo para dar certo na vida, se enveredou pelo mundo do tráfico e foi condenado três vezes.

Outro traficante conhecido do seu tempo é o Andrezão. Como era a atuação dele?

Gularte: Ele é da família de Carlos Roberto Patissi, cunhado dele. O Patissi é irmão da esposa do Andrezão, a Sandra. Há 20 anos nós fizemos algumas apreensões do Patissi. Ele até era um traficante educado, nos tratava com muito respeito. Eu falava: “rapaz troca de profissão”. Depois de ter sido preso, ficou na penitenciária, saiu em liberdade e continuou, chegou uma carga de cocaína pra ele, mas quem trouxe deixou um pouco pra ele e levou outro pouco pro Rio Grande do Sul. Ele quis devolver essa cocaína. Quando ele estava devolvendo a cocaína, trocar por uma melhor, ele foi preso. “Poxa, até quando você está devolvendo é preso, tem que largar dessa vida.” [A Sandra uma época tentou concorrer a um cargo de vereadora. No seu tempo de atuação na PF, o tráfico de drogas tentou entrar nos poderes legislativo ou executivo de Itajaí?] Complicado falar isso. Eu soube que ela tentou ser candidata, não sei se foi ou não, mas eu desconheço que Itajaí e região tenha políticos envolvidos. [No Rio de Janeiro, se viu bastante isso no decorrer dos anos...] Eu participei de algumas operações no Rio. Lá é outro mundo.

Existem dois momentos distintos do tráfico: quando era praticado isolado e depois quando o tráfico ficou faccionado. Existiu uma mudança no sentido de inteligência, de organização do tráfico que dificulta a atuação da PF?

Continua depois da publicidade

Gularte: O crime foi se aperfeiçoando e isso requer o nosso aperfeiçoamento constante. Cursos que são ministrados direto pela Academia Nacional de Polícia. A gente tem que estar sempre renovando os nossos conceitos. Temos que estar sempre aprendendo mais. A gente aprende no dia a dia. Houve uma mudança do modus operandi e da organização criminosa que hoje no Brasil todos sabem como é que funciona. Existe uma parceria grande entre eles e ramificam para outras atividades, não sendo somente o tráfico. Os grandes cartéis partem para outros negócios para poder aplicar o dinheiro, lavar aquele dinheiro do tráfico.

 

 

Como os portos brasileiros seguem escoando grande parte das drogas para a Europa, mesmo com a modernização da checagem da Receita?

Continua depois da publicidade

Gularte: Eles [os bandidos] estão sempre mudando o modo de operar. Tem apreensão de drogas em contêiner, mas a gente está vendo apreensões que eles conseguem grudar no casco do navio. Ninguém vê, ninguém fica sabendo, por baixo d'água, não sei quantos metros embaixo d'água. Com certeza a PF e os outros órgãos de segurança estão muito atentos a isso. [Qual foi a carga mais inusitada em que a PF já apreendeu drogas em um contêiner?] Foram tantas em 44 anos. Mas de pedras! A gente sabe que em Trombudo Central produzem muita pedra. Eu tive que fazer um curso de pedras, fui em vários lugares saber sobre pedra, para depois chegar na empresa que produzia essas pedras. Os empresários que produziam essas pedras não tinham o mínimo conhecimento do que estava acontecendo. Era exportação para a Holanda, salvo engano, para a Bélgica, e eram fardos enormes de pedra, cintas com aço. Vendia, exportava e buscava lá, só que no meio do caminho eles tiravam aquela cinta e colocavam a droga.

Como acontecem as investigações sobre o envio de drogas por barcos para outros continentes?

Gularte: Eu lembro mais especificamente de um barco de um conterrâneo do Rio Grande do Sul, um atuneiro. Conversei com ele: “Você é gaúcho, eu também sou, como é que você faz isso?”. Ele respondeu que começou a pescar em Laguna. "Fui para Santos, e estava lá no Espírito Santo, comprei um barco, vale uma fortuna, alguém chegou para mim e falou: “Lhe dou tanto! Você vai sair, encosta lá em Itajaí, você vai quitar o seu barco”. O atuneiro é muito caro. Um barco grande, uma tripulação grande. Ele veio para cá com tripulação para uma pesca de 20 dias. Chegou aqui e disse: “Vocês [pescadores] podem ir para o hotel, ele vai cuidar o barco ali e tal...” Era gente do tráfico cuidando do barco, enchendo com três toneladas de cocaína com gelo em cima. Eles foram presos saindo de Itajaí. Também teve apreensões em Porto Belo. Tem gente que se deixa levar pelo dinheiro fácil, não existe milagre. Perdeu tudo. Eu aprendi com meus pais, que eram pessoas humildes: o que não for fruto do teu trabalho, do teu suor, não é digno.

Como a internet impulsionou novos crimes?

Gularte: Durante muitos anos eu fiz um trabalho voluntário no projeto GPred, principalmente no Rio Grande do Sul e aqui. Eu falava com os jovens: não se exponham. A curiosidade é normal do ser humano, muito mais dos jovens e dos adolescentes, acessar determinado site, principalmente pedofilia. Existem programas hoje pelo mundo afora que é rastreado. Posso chegar aqui, pegar o meu computador, usar a internet de vocês e vai ser descoberto que não foi do computador da Fran ou do Miro. Alguém usou o Wi-Fi daqui e vai dar o meu computador. Eu sempre alertei os jovens para eles não se exporem. Um exemplo é o caso de um menino sequestrado em Ilhota. O menino foi levado para Barra Velha, Piçarras, aquela região. A Polícia Civil do estado prendeu os caras. O chefão era um paulista que declarou abertamente, não foi preciso ficar cuidando a casa dele. Nós sabíamos tudo, até o que tinha dentro da casa deles. Sabia a hora que ia pra natação, a hora que ia pra aula de inglês, a hora que ia pro esporte, o carro que o pai tinha, quando iam viajar. "Pela rede social do menino, a gente sabia tudo". Era um jovenzinho de oito anos. Os bandidos usam muito as redes sociais e a internet como ferramenta de crime. [Como está a escalada de crimes de ódio na internet?] Eu participei de alguns momentos de mandado de busca, às vezes, da PF de Brasília, de outros estados. Pelo meu perfil, nunca participei direto de investigação com relação a neonazistas, crime de ódio, de mentiras. Hoje a gente vê coisas na internet e pensa: será que é verdade? Será que é fake news? A gente não sabe mais em quem acreditar. Eu acho que daqui a pouco vai ter que regulamentar ou fiscalizar. Tem que ter ferramentas para se chegar a quem produziu essas mentiras e joga na internet.

Continua depois da publicidade

O senhor é palestrante sobre o tema da corrupção. Por que os mecanismos atuais ainda não conseguem conter esse tipo de crime?

Gularte: Eu lembro de um dos primeiros cursos que fiz, com um palestrante renomado, e ele disse: “A corrupção é normal”. Virei para um colega e falei: “Vou me levantar e ir embora”. O palestrante cumprimentou e continuou: “Não vamos ser hipócritas. Existem muitas formas de corrupção, em todos os órgãos. É como o professor que dá uma nota melhor para o aluno porque é filho de um amigo...”.

A corrupção é um dos grandes males da nossa cultura e do nosso país. Os corruptos deveriam ser punidos exemplarmente, seja quem for. Fiz um curso e treinamento na Polícia Federal e o lema era: “Faça a sua parte. Se os outros não fizerem, não é problema seu”.






Conteúdo Patrocinado



Comentários:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Clique aqui para fazer o seu cadastro.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

WhatsAPP DIARINHO

Envie seu recado

Através deste formuário, você pode entrar em contato com a redação do DIARINHO.

×






216.73.216.192


TV DIARINHO


🚓💨 RITMO DE FUGA! Motorista tentou despistar a polícia e rodou por 24 quilômetros, mas acabou batendo ...



Especiais

Preços em Belém aumentarem 15 vezes, é "o absurdo dos absurdos", diz Marina Silva

COP30

Preços em Belém aumentarem 15 vezes, é "o absurdo dos absurdos", diz Marina Silva

Belém investe dinheiro em obras da COP, mas na quebrada, povo tem que sair

COP 30

Belém investe dinheiro em obras da COP, mas na quebrada, povo tem que sair

Lobby pró-Israel pressiona realização de eventos que abordam a Palestina

FAIXA DE GAZA

Lobby pró-Israel pressiona realização de eventos que abordam a Palestina

Dinheiro do petróleo não resolveu problemas em Presidente Kennedy e Campos dos Goytacazes

PROBLEMAS E ROYALTIES

Dinheiro do petróleo não resolveu problemas em Presidente Kennedy e Campos dos Goytacazes

Nas cidades campeãs em royalties de petróleo, gasta-se muito, mas pobreza persiste

ROYALTIES DE PETRÓLEO

Nas cidades campeãs em royalties de petróleo, gasta-se muito, mas pobreza persiste



Blogs

La Vuelta de España elogia ciclismo nacional

A bordo do esporte

La Vuelta de España elogia ciclismo nacional

🔄 Como o corpo avisa que precisa de uma pausa — e por que ignorar pode custar caro

Espaço Saúde

🔄 Como o corpo avisa que precisa de uma pausa — e por que ignorar pode custar caro

Alimentação para acne

Blog da Ale Francoise

Alimentação para acne

Câncer intantojuvenil

Blog do JC

Câncer intantojuvenil



Diz aí

"O meu grupo tinha controle e mapeamento de todos os traficantes da região"

Diz aí, Gularte!

"O meu grupo tinha controle e mapeamento de todos os traficantes da região"

PF aposentado de Itajaí participa de entrevista ao vivo

Diz aí desta quarta

PF aposentado de Itajaí participa de entrevista ao vivo

"Não tem a possibilidade de a Wolbachia sair do corpo dos mosquitos"

Diz aí, Gabriel Sylvestre!

"Não tem a possibilidade de a Wolbachia sair do corpo dos mosquitos"

Especialista no método Wolbachia de combate à dengue será entrevistado no “Diz aí!”

AO VIVO

Especialista no método Wolbachia de combate à dengue será entrevistado no “Diz aí!”

"O porto não pode ser objeto de um debate pequeno de natureza política e de polarização"

Diz aí, Décio Lima!

"O porto não pode ser objeto de um debate pequeno de natureza política e de polarização"



Hoje nas bancas

Capa de hoje
Folheie o jornal aqui ❯






Jornal Diarinho ©2025 - Todos os direitos reservados.