ESTADOS UNIDOS

Perseguição de Trump aos imigrantes é plano global da extrema direita, diz Jamil Chade

Em seu novo livro, jornalista fala sobre o declínio da democracia estadunidense, marcado pela perseguição aos imigrantes

Por Por Andrea DiP, Ricardo Terto, Stela Diogo, Rafaela de Oliveira

Em três meses do governo Donald Trump, em abril deste ano, o Departamento de Segurança Interna anunciou que mais de 142 mil imigrantes irregulares foram deportados. Há relatos de que as deportações não atingem apenas quem está sem documentos no país, mas virou ferramenta política para perseguir opositores e críticos do governo.

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Em “Tomara que você seja deportado: uma viagem pela distopia americana“, o novo livro do jornalista Jamil Chade, essa realidade é contada a partir de uma experiência pessoal e profissional que Chade viveu com a família nos Estados Unidos, especialmente com o endurecimento das políticas de imigração. O Pauta Pública da semana recebe o autor da obra que propõe uma reflexão sobre o tema.

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O próprio nome do livro veio de uma situação vivida pelo seu filho, que ouviu a frase “Tomara que você seja deportado” de outra criança na escola. Para o jornalista, isso mostra como a desinformação e o ódio chegaram nas relações sociais, impactando inclusive pessoas com situação migratória legal: “Todo mundo, no fundo, foi afetado”, afirma.

Chade alerta também que a política anti-imigração de Trump é um plano organizado por parte da extrema direita: “Eles têm planos, muito dinheiro e um objetivo ambicioso de refundar as regras da sociedade. É muito sério o que está acontecendo para a gente tratar como meme.” Leia os principais destaques da conversa e ouça o podcast completo abaixo.

EP 179 “Tomara que você seja deportado”

1 de agosto de 2025 · Jamil Chade fala sobre o declínio da democracia estadunidense, marcado pela perseguição a imigrantes

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O nome do livro veio de uma conversa que seu filho teve na escola, foi isso?

Foram duas conversas, e as duas estão no livro, separadamente, mas elas fazem parte da mesma situação. A desinformação e o ódio permanente que é colocado na sociedade, chegaram ao pátio do colégio do meu filho. A primeira vez, foi antes mesmo da eleição, quando esse meu filho menor, que estava bastante assustado com a dimensão de Nova York, veio com uma pergunta que eu, sinceramente, pensava que era irrelevante, que era só um medo de uma criança que não conhecia justamente aquela realidade. Ele perguntou, antes da eleição, o que iria acontecer com a gente se Donald Trump vencesse a eleição. Eu tentei tranquilizá-lo, dizendo que estávamos no país de forma regular e que portanto não havia nada a temer. E eu ia contando isso e tentando tranquilizá-lo, ia percebendo que eu estava mentindo para ele ou tentando tranquilizar a mim mesmo.

Ao longo dos meses, a gente descobriu que, no fundo, todo mundo foi afetado. Na segunda vez, ele chegou da escola muito abalado e disse que quando estava brincando no pátio em uma disputa pela bola e a outra criança disse para ele: “tomara que você seja deportado”. Uma criança de 10 anos não tem no seu vocabulário a palavra deportado por acaso. Pelo menos não na nossa infância, jamais pensei em falar a palavra deportado, muito menos numa briga de futebol. Então, obviamente, aquilo é um espelho de como uma situação dramática de um país que vive uma crise existencial, como aquilo tudo chega ao pátio da escola, como tudo chega a uma criança que, a princípio, não tinha nada a temer. Obviamente, foi um abalo bastante profundo.

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Esse discurso anti-imigração está crescendo no mundo todo, impulsionado pela extrema direita. Recentemente, na Espanha, a gente viu, literalmente, uma caçada aos imigrantes norte-africanos. Essa é uma narrativa que vem sendo construída consistentemente, faz tempo, essa ideia de que a violência, as várias crises do capitalismo são culpa dos imigrantes. Foi uma história muito constante nesses últimos meses, na minha cobertura, por isso que eu trago bastante para o livro.

[Vivendo nos Estados Unidos] o que vi é um movimento muito organizado e que devemos parar de tratá-los como amadores, como pessoas que não entendem realmente o que está acontecendo. Não, eles têm planos, têm muito dinheiro e um objetivo muito ambicioso de refundar as regras da sociedade. É muito sério o que está acontecendo na história da humanidade para a gente traduzir isso em um meme e achar que, com isso, a gente resolveu a questão.

Há, acima de tudo, um plano de desumanizar o outro. Uma estratégia fundamental para depois você poder expulsar, estigmatizar, prender e cometer violências atrozes. Atualmente essa desumanização é recorrente no discurso político nos Estados Unidos, acima de tudo, pelo movimento MAGA [Make America Great Again], dentro do Partido Republicano. Não é só um bairro, a violência num bairro, não. Ela é uma violência à existência do país, da sociedade. 

Fui ao muro entre o México e os Estados Unidos, percorri centenas de quilômetros e quando eu voltei para Nova Iorque, entendi que, na verdade, esse muro está sendo construído em todas as partes dos Estados Unidos hoje. Com retórica, tecnologia e com a identificação do outro como uma ameaça. E a vida desse outro se transforma numa permanente angústia. Inclusive daqueles que têm o seu visto garantido e que, teoricamente, não tem nada a temer, mas você não sabe quem será o próximo deportado ou não.

É uma estratégia de instauração do terror na sociedade. Instaurando esse terror, alguns imigrantes vivem uma nova situação, como tem acontecido, de optar pela auto deportação. Quando se cria medo e fecha todas as portas, entre outras coisas, você conduz aquela família a dizer que não quer ficar vivendo isso e, eventualmente, tomam o caminho de casa ou de qualquer outro país. É muito dramático o que está acontecendo, as histórias são dilacerantes, como por exemplo, de pessoas que foram presas ao tentar se regularizar nos escritórios de imigração. Além de prisões em tribunais, em hospitais, prisões e até nas esquinas das igrejas durante os domingos.

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Como estão os movimentos de resistência nos Estados Unidos?

Ainda tentando se organizar. São movimentos muito conscientes da dimensão jurídica da defesa. Principalmente de grupos de advogados muito rápidos em abrir processos, em levar o caso à justiça. Por enquanto, eu tenho visto essa dimensão da resistência. De apostar nas leis do país, de apostar nas instituições como forma de conter um desmonte da democracia.

Eu não tenho visto ainda nem a mobilização social, isso é muito pouco ainda, de forma esporádica, não digo que não exista, mas é ainda muito aquém do desafio que o país está vivendo. O Partido Democrata essencialmente vive uma crise profunda interna, não sabe quem é o seu líder, não sabe qual é a sua bandeira hoje.

A resistência da mobilização de sair às ruas, de tomar as ruas, que talvez nós iríamos ver acontecendo na Europa se algo semelhante estivesse acontecendo num país europeu, isso não está acontecendo. Existem muitas teses, uma delas é porque os americanos não estão acostumados com a possibilidade de que a sua própria democracia esteja ameaçada.

A outra explicação, muito mais capitalista e muito mais individualista, é que pelo menos, por enquanto, não afetou a renda da classe média. Outros fatores estão afetando a renda de um sonho americano, mas não o desmonte da democracia.

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Walter Salles, no prefácio do seu livro, diz que a obra é um alerta sobre como as democracias podem sucumbir. Quais sinais você vê nos EUA e que deveriam servir de advertência para o Brasil ou em outras democracias?

Acima de tudo, o fato de que nenhuma instituição existe por si só. Não é a parede da instituição que vai proteger a democracia. São as pessoas nessas instituições que vão defender a democracia e o Estado de Direito. Mas o que acontece quando essas instituições são capturadas, sequestradas por pessoas que têm como objetivo justamente desmantelar essa democracia? Então, um ensinamento é que as instituições, por si só, não garantem absolutamente nada. Somos nós.

Cabe a nossa geração justamente entender que vamos ter de defender as instituições. Então, eu, pelo menos, saí dos EUA com uma percepção de que cada um deveria assumir uma instituição. Não é só o STF [Supremo Tribunal Federal], o Congresso e a Constituição Brasileira a serem defendidos. É uma associação de bairro, biblioteca da sua escola, uma instituição acadêmica. Então, a defesa, basicamente, das instituições da democracia, ela é absolutamente democrática no sentido que todos nós podemos defender uma instituição. 

O recado que a experiência americana tem demonstrado é que não vai haver um tanque derrubando a porta do Palácio Presidencial para que um golpe de Estado aconteça. Eles estão acontecendo em vários lugares do mundo ao mesmo tempo, justamente com uma inovação tecnológica, que é o desmonte por dentro, usando justamente as regras da democracia para desmontar essa própria democracia e perpetuar aquele grupo no poder.

Quando não é perpetuar a pessoa, é perpetuar o movimento. O medo, agora, que eu acho que todos devemos ter, é de que essa exportação [dos EUA] seja do autoritarismo. E esse autoritarismo pode ser muito eficiente quando vem, não apenas com um movimento político, mas com um poder econômico gigantesco, de ser o maior mercado consumidor do mundo e com bombas atômicas ou com um poder militar que jamais, na história da humanidade, foi conhecido. É uma história que todos nós deveríamos prestar atenção.






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