Matérias | Especial


MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Por que é tão difícil traçar a genealogia de pessoas negras no Brasil?

Conversamos com historiadores para entender os desafios da preservação da memória e da ancestralidade

Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

"A historiografia da escravidão é fantástica para contar a experiência das pessoas negras que foram escravizadas”, diz Hebe Mattos, professora da UFJF
(foto: reprodução/Agência Pública)
"A historiografia da escravidão é fantástica para contar a experiência das pessoas negras que foram escravizadas”, diz Hebe Mattos, professora da UFJF (foto: reprodução/Agência Pública)


Texto: Pedro Ezequiel


Edição: Mariama Correia

 

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Edição: Mariama Correia



Se o futuro é ancestral, como recuperar a memória que se apagou? Como acessar as histórias que a escravidão combinou de silenciar? Enquanto uma parte da população se beneficiou do sistema da escravidão, pessoas negras sofreram duros impactos. Um deles foi o apagamento de suas identidades, culturas e genealogias.

Durante a pesquisa dos antepassados escravizadores de políticos e autoridades brasileiras, a equipe de reportagem da Agência Pública percebeu uma dificuldade em comum ao fazer o levantamento das genealogias: ter acesso a informações sobre antepassados de pessoas negras e indígenas, assim como a falta de dados sobre ancestrais negros libertos ou pessoas escravizadas, como sobrenome, origem e descendentes. Geralmente, essas pessoas eram citadas nos documentos aos quais tivemos acesso apenas pelo primeiro nome ou por uma alcunha.


Mesmo com mais de 55% da população sendo negra – considerando a soma dos grupos de pretos e pardos –, nosso país ainda tem dificuldade de preservar a memória e o orgulho de quem lutou por liberdade. Um caso emblemático é Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares. Sua história precisou ser recuperada da narrativa de imagens pejorativas contra ele, como conta Sueli Carneiro. Somente este ano, a data de sua morte, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, será celebrada como  feriado nacional.

Desde 2003, a lei 10.639 determina a inclusão de história e culturas africanas no currículo escolar, mas uma pesquisa realizada no ano passado revelou que sete em cada 10 secretarias de Educação dos municípios fizeram pouco ou nenhuma ação para implementar esses conteúdos em suas programações. Este ano, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) provocou os estudantes sobre os “Desafios para a valorização da cultura africana no Brasil”. Recuperar e manter essa memória é “um tema político do tempo presente”, diz a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Hebe Mattos. Ela é uma das responsáveis pelo “Inventário dos lugares de memória do tráfico atlântico de escravos e da história dos africanos escravizados no Brasil”. O projeto também virou o site “Passados presentes – Memória da escravidão no Brasil”.


“A historiografia da escravidão é fantástica para contar a experiência das pessoas negras que foram escravizadas. Mas sempre sobre documentos que estão coisificando essas pessoas. [O nome da pessoa escravizada] Está no inventário, está num processo de crime como escravo. Para você ter uma outra visão, que não essa, você só tem a memória e a tradição oral”, explica.

“A historiografia da escravidão é fantástica para contar a experiência das pessoas negras que foram escravizadas”, acrescenta Hebe Mattos.

Resgatar registros históricos e memórias de pessoas escravizadas é um trabalho dificultado não apenas porque envolve processos de apagamentos, mas também por traumas sociais, individuais e familiares, e por processos históricos que foram colocados pela violência da escravidão, pela complexidade das hierarquias desse sistema, a miscigenação e, também, as migrações, explica a professora. “Há processos familiares de apagamento das memórias do cativeiro. É uma memória difícil, é uma memória traumática. E, quando ela está mais longe no tempo, sobretudo longe num tempo que passa a própria sociedade escravista, pode acontecer realmente uma quebra dessa memória”, diz. Os processos de migração também têm um papel importante no apagamento de memórias e genealogias de famílias de pessoas negras que foram escravizadas, segundo a pesquisadora. Por isso, “mesmo com as famílias brancas ou esbranquiçadas você  não vai além da terceira geração. Porque quando a gente trabalha com os extratos mais subalternos, populares – estou pensando no campesinato, seja branco ou seja negro –, você tem um processo de migração, de desenraizamento, então de uma memória genealógica mais curta”.

 

“O silêncio sobre memórias coletivas é uma escolha de sujeitos do presente”


Marley Antonia Silva, professora do Instituto Federal do Pará (IFPA) de Belém (foto: reprodução/Agência Pública)
Marley Antonia Silva, professora do Instituto Federal do Pará (IFPA) de Belém (foto: reprodução/Agência Pública)

 

A dificuldade de recuperar a genealogia de pessoas negras que foram escravizadas não é um problema de falta de documentos, diz a professora do Instituto Federal do Pará (IFPA) de Belém e doutora pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Marley Antonia Silva da Silva. “O silêncio sobre memórias coletivas é uma escolha de sujeitos do presente. Temos que pensar na memória que a gente quer evocar, porque a gente só faz história partindo do presente. Eu penso que a memória não consegue se construir fora das coletividades negras que sempre existiram, que sempre se rearranjaram, que sempre se azeitaram”, explica.

Ela fez o parecer técnico do Memorial Afro-Amazônico que deve ser construído na capital paraense. Mesmo com mais de 70% da população no grupo de pessoas negras – considerando pretos e pardos – na cidade, a professora diz que “é o passado português que ainda continua muito vivo”. “Uma das formas de descrição de Belém é: Belém é uma cidade morena. Belém não é morena, Belém é negra. E Belém não é negra de hoje, Belém é negra do período colonial”, argumenta.

As pesquisas sobre as figuras históricas de Mariana e Generalda, que lutaram pela liberdade em Belém no século XVIII, foram feitas com consultas às instituições de preservação de acervos, como o Arquivo Histórico Ultramarino, de Portugal, e o Arquivo Público do Pará. Mas a memória, segundo ela, se constrói também pelos relatos das pessoas mais velhas e pelo movimento negro.

Mariana queria pagar sua alforria ao senhor Augusto Domingues de Sequeira, mas ele impediu por todos os meios. Africana, como era descrita, enviou seu pedido ao rei português dom João V. Não há informações sobre se seu pedido foi acatado. Na mesma Belém, no final do século XVIII, Generalda era mãe e queria alforriar a si mesma e seus três filhos: Vitório, Dionísio e Ignês. Contou com uma rede de apoio de familiares e amigos para lutar em busca do direito de ser quem ela era junto aos descendentes. Infelizmente, apenas sua liberdade e de um dos filhos foi conquistada. A família seguiu separada. Os núcleos familiares são, diz Marley Antonia Silva da Silva, uma das formas de resistência de histórias e identidades na escravidão.


“A busca por memória é um direito individual e também coletivo”, argumenta a professora. “O Estado, a imprensa, as instituições de ensino têm obrigação com a memória, com a memória coletiva, de nomear esse passado, de nomear as cores dos estados, de dar nome aos sujeitos escravizados e não escravizados, dar nome a esses escravizadores e a seus não escravizadores. A memória é um direito coletivo pelo qual nós temos que lutar”, defende.

 

As sementes da memória

Nilma Accioli, professora doutora em História Comparada pela UFRJ (foto: reprodução/Agência Pública)
Nilma Accioli, professora doutora em História Comparada pela UFRJ (foto: reprodução/Agência Pública)

 

Se as barreiras estão colocadas, a história pode ajudar a derrubá-las para chegar até a vida de quem foi escravizado, mas não foi reduzido à escravidão. Nilma Teixeira Accioli é professora doutora em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela descobriu que sua a tataravó, Margarida, foi escravizada pela família de Manoel Fernandes Barata, cuja família tinha terras em Campo Grande, no Rio.

A partir dos relatos que ouvia da avó quando criança, sobre seus ancestrais que teriam sido escravizados, a pesquisadora passou a procurar os processos relacionados à família Barata. Ela descobriu que, ao ser capturada por mercenários ainda em solo africano, Margarida, sua ancestral originária de Angola, trouxe consigo semente de tinhorão – uma planta de folhas grandes e rajadas. No porão do navio para o Brasil, ela conheceu Gonçalo, do Congo. Hoje, seus descendentes têm um tinhorão plantado em suas casas.

Descobrir a história de seus ancestrais foi, para Nilma Accioli, descobrir a si mesma. “Esse caminho é importante que as pessoas sigam. Procurem saber as suas identidades, porque a valorização da ancestralidade é que dá também o seu reconhecimento como ser humano. Você não nasceu do nada. Você nasceu de uma linha genealógica. E isso as pessoas deveriam começar a aprender até nas escolas de ensino fundamental.”

 

 




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