— Sobral Pinto
Desde o golpe militar que resultou na Proclamação da República, o Brasil experimenta, em ciclos de aproximadamente 30 anos, aquilo que ouso chamar de “pileques institucionais”. Como em toda bebedeira, a ressaca demora a passar e deixa marcas profundas.
No segundo Império, tivemos o mais longevo período de estabilidade política. Apesar de suas imperfeições, o regime alcançou avanços notáveis: separou Estado e Igreja, aboliu a escravidão e construiu uma frota naval apenas inferior à britânica. Com a República, porém, veio a desordem: o novo regime trouxe violência, nepotismo e um ambiente muito distante das promessas feitas — a ponto de muitos republicanos históricos arrependerem-se do que ajudaram a instaurar.
Veio então a ressaca. Aos poucos, as instituições civis retomaram o comando político. Consolidou-se a “política do café com leite”, surgiram partidos, inclusive o comunista, e o país testemunhou a Semana de Arte Moderna e outros avanços culturais e civilizatórios que apontavam para uma desejada pacificação institucional.
Mas o ciclo se repetiu. Aproximadamente 30 anos depois, o golpe de Getúlio Vargas inaugurou novo regime de força: cassações, censura à imprensa, perseguições políticas, revogação da Constituição — enfim, uma ditadura. O suicídio de Vargas abriu caminho para nova tentativa de normalização da vida política: eleições livres, o “Presidente Bossa Nova”, a construção de Brasília, o desenvolvimentismo, a pluralidade de ideias.
Novo pileque. A renúncia de Jânio Quadros, seguida da deposição de João Goulart, resultou no golpe de 1964 e em mais de duas décadas de ditadura militar.
Trinta anos depois, o país inicia sua ressaca democrática: a anistia, o retorno dos exilados, o movimento Diretas Já, a Constituição de 1988 e, finalmente, eleições livres para a presidência da República.
Mas logo viria outro pileque. O “Caçador de marajás”, Fernando Collor de Mello, frustrou expectativas, mergulhou o país em crise econômica e confiscou a poupança dos próprios eleitores. Seguiu-se nova ressaca, com Itamar Franco, o Plano Real, a estabilização da moeda por Fernando Henrique Cardoso, a criação das agências reguladoras, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e a eleição do primeiro presidente oriundo da classe trabalhadora, Luiz Inácio Lula da Silva, que tirou o Brasil do mapa da fome.
Trinta anos após Collor, um novo pileque: o “Capitão do povo”, o antissistema, o falso messias salvador da pátria. Mas, desta vez, o ciclo foi interrompido. Não houve tempo para a ressaca prolongada. O golpe foi debelado antes de se consolidar.
O julgamento de 11 de setembro de 2025, pelo Supremo Tribunal Federal, fixou um marco histórico: ninguém está acima da lei. Nem generais, nem almirantes, nem brigadeiros. Muito menos um capitão reformado sem honra.
O Brasil, enfim, lavou a alma.