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Você está pronta para ser negra?
Você está pronta para ser negra?
Artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente: considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos por esse parâmetro posso dizer que estava cercada por um grupo de mais ou menos 30 crianças. Em uma exposição chamada “Palavra Tomada” do artista Sérgio Adriano H. Duas das obras contidas no espaço da exposição de artes visuais eram dicionários que contém o significado das palavras negro. Uma menina de 10 anos começou a falar de forma empoderada sobre o “quanto racismo é horrível”, indaguei: “Você sabe que também é negra né?” Nunca um silêncio foi tão ensurdecedor. O silêncio foi quebrado por inaudíveis “não” e os seus bracinhos envolviam seu corpo num auto abraço. Até que em alto e bom som, puxando seus cabelos crespos para baixo de uma forma quase como um tic ela explanou: “Não! Eu não tô pronta pra ser Negra!” Em nenhum momento essa menina gritou, mas a frase dita em volume de voz cotidiana parecia um eco. Uma sororidade encheu aquela sala; era possível ouvir frases como “eu vou te proteger”. Devo relatar que no momento que fiz a pergunta, uma menina branca se afastou dela com a exclamação “ixi”! Um grupo de meninos que antes estavam juntos se afastaram. Eu perguntei à menina: “Você sabe porque você falou ixi?” A menina olhou nos meus olhos e disse: “sinceramente não sei, acho que fui racista” e com o olho marejado abraçou a amiga. De repente a exposição trouxe medos à tona... Em torno de 10 crianças, me perguntaram bem baixinho: “Sá, eu sou negra?” E olhar a maioria deles ao aguardar essa resposta era algo que posso descrever como: “Eu não tô prontx para passar por racismo, diz que eu sou brancx por favor”, eu respondi a elxs: “Porque é tão importante saber isso? “Depois refleti e lembrei que falava com crianças e contei uma breve e dolorida história.
“No Rio de Janeiro nem sempre trabalhei como atriz e fui numa entrevista de emprego que só tinha uma vaga. Passei por todas as etapas e ao fim eu fui a “escolhida”. “Nesse momento as crianças que ouviam minha história ansiavam por um final feliz.
“Á sós na sala, a moça veio me dar os parabéns por estar a ponto de ser uma nova colaboradora, olhou pra mim dos pé à cabeça e disse pra eu AJEITAR meu cabelo, pois com o cabelo liso eu teria cara de BRANCA E LIMPA. Todos ouviam minha história: “VOCÊ ACEITOU?”
“Não aceitei e na época eu precisava muito! “Esse foi um dia forte e que me lembrou a menina sem representatividade que fui! Que não era nem negra e nem branca, que não se encaixava em muitas peças de teatro porque não tinha o perfil pedido. A mulher que hoje tem orgulho de dizer: SOU NEGRA e enquanto atriz formada pela Federal do Rio de Janeiro em interpretação, estudante de Licenciatura em Artes visuais, diretora, cantora, professora e contadora de histórias vou por esse mundão de Deus abrindo oportunidades para que outras meninas e outros meninos tenham uma vida melhor e com mais representatividade.
Sabrina Vianna, atriz, diretora e produtora cultural.