BALNEÁRIO CAMBORIÚ
MP quer audiência com prefeitura após operação “sensacionalista” contra moradores de rua
Promotor quer resposta sobre adequações no serviço de abordagem social
João Batista [editores@diarinho.com.br]

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A 6ª promotoria de justiça de Balneário Camboriú pediu uma audiência de conciliação com a prefeita Juliana Pavan (PSD), secretários municipais e o comando da Guarda Municipal após a operação contra moradores de rua que causou polêmica com vídeo da prefeita nas redes sociais. O promotor Álvaro Pereira Oliveira Melo quer tratar da decisão judicial que proíbe o uso da GM e a condução forçada nas abordagens sociais e que exige o respeito aos direitos das pessoas em situação de rua.
A manifestação do promotor foi feita à juíza Adriana Lisboa, da Vara da Fazenda Pública de BC, no âmbito da ação civil pública que corre desde 2023, cobrando adequações no serviço de abordagem social em Balneário Camboriú. Se o município não concordar com a audiência, o promotor pede que a prefeitura responda sobre as soluções apresentadas pela promotoria em reunião, em janeiro, com novos secretários municipais quanto à política de abordagem social e informe as medidas tomadas.
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O promotor também pediu ofício ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, para que ele se manifeste sobre eventual federalização do processo e da apuração da política pública para o atendimento das pessoas em situação de rua em Santa Catarina. Isso porque, segundo explica, durante a ação se verificou que um município empurra o “problema” para outro, como os moradores de rua mandados embora de Itajaí para BC, sob “escolta” da PM, entre outros casos noticiados.
“Tais fatos aconteceram, a título exemplificativo, e apenas nos últimos meses, nas cidades de Blumenau, Itajaí, Florianópolis, Joinville, Palhoça, Biguaçu, Chapecó e Criciúma, que divulgaram operações para "limpar a cidade" e "retirar as pessoas em situação de rua" nas redes sociais e na mídia local, como a própria atual Prefeita Municipal [Juliana Pavan] realizou na data de ontem [domingo]”, relata o promotor.
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De acordo com ele, “cada município se vê como uma ilha e empurra o problema para outros”. Enquanto isso, o promotor ressalta que o estado e União, que tem um ministério dos Direitos Humanos, apenas observam a situação sem medidas concretas. O promotor lembra que, além da liminar vigente na ação civil, há uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pra que estados e municípios adotem medidas pra implantação da Política Nacional para a População em Situação de Rua.
Álvaro avalia que a decisão é muito difícil de ser cumprida diante dos diversos órgãos envolvidos na fiscalização, apontando a necessidade de o Ministério Público Federal (MPF) atrair para si a questão, dando um olhar amplo para o caso. Nesse sentido, o promotor afirmou não ser “produtivo” tomar medidas isoladas apenas em BC, quando o problema é maior e já enfrentado pelo STF, defendendo uma uniformização no trato do assunto, tanto no aspecto administrativo como jurídico.
Vídeo “policialesco e sensacionalista”
Sobre o vídeo da operação, o promotor comentou que o material foi editado com “caráter policialesco e sensacionalista”. O episódio chegou à promotoria dias após o Ministério dos Direitos Humanos recomendar providências sobre a abordagem social, em razão de sugestão do vereador Marcelo Achutti (MDB) pra que as forças de segurança usem “vara de marmelo” nas abordagens.
No vídeo postado pela prefeita Juliana, ela aparece intimando os moradores de rua a deixar a cidade ou buscar acolhimento. A postagem teve repercussão nacional, provocando críticas de entidades e personalidades. A prefeita defendeu a legalidade das ações e disse que ninguém será forçado a sair das ruas, sendo respeitada a liberdade individual.
Para o promotor, a preocupação é que, tal como ocorreu na gestão passada, seja implementada “uma nova e crescente política de ódio”. Ele lembrou que esse tipo de ação, que gera engajamento nas redes sociais, já resultou em casos de tortura de uma pessoa deficiente, disparo de arma de fogo que atingiu uma moradora de rua, condução forçada de pessoas para outras cidades e espancamento.
Ele apontou que o município não conta com uma estrutura adequada para enfrentar a situação das pessoas em vulnerabilidade social. O promotor lembra que, no caso da comunidade terapêutica, que atende dependentes químicos, a unidade não conta com apoio de pessoal da prefeitura. O município também não tem vagas pra internação compulsória, dependendo do Instituto de Psiquiatria (IPQ), que vive superlotado.
“Em resumo, a política pública destinada às pessoas em situação de rua em BC é basicamente a de "limpar as ruas" angariando apoio nas redes sociais e na população, que não sabe, efetivamente, da inexistência de medidas administrativas efetivas, duradouras, que ultrapassem a dinâmica da mera política higienista”, completa.
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Padre Júlio Lancellotti faz duro discurso contra abordagens de prefeitos a moradores de rua
O padre Júlio Lancellotti, referência nacional em defesa e proteção das populações em situação de rua no Brasil, fez uma dura pregação na missa deste domingo, na paróquia São Miguel Arcanjo, em São Paulo, contra os prefeitos que têm gravado vídeos exigindo que moradores de rua saiam das cidades.
Na visão do padre, essas ações são improdutivas e repressivas, e “não uma forma de resgatar a dignidade” desse público à margem da sociedade. “São discursos pseudo-humanistas”, reforçou o religioso na abertura da missa.
A pregação de Lancellotti atinge Santa Catarina, onde nas últimas semanas prefeitos como Juliana Pavan (PSD), de BC, João Rodrigues (PSD), de Chapecó, delegado Egídio (PL), de Blumenau, e Robison Coelho (PL), de Itajaí, gravaram vídeos durante “operações” junto a moradores de rua.
“Estes prefeitos não discutem saúde pública, educação, moradia, transporte, e não discutem a situação dramática das mudanças climáticas”, criticou o padre. “Estão preocupados em devolver a praça para cidadãos de bem, para as famílias, mas por trás desse discurso o que há é repressão. Mas ninguém faz isso (melhorar condições de moradores de rua) com aparato militar”, completou.
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Júlio Lancellotti ainda classificou os vídeos recentes dos prefeitos como uma “onda” midiática. “Essa onda é imensa. Me causa profunda tristeza”, reforçou. Júlio não poupou nem mesmo o governo federal, mesmo sendo aliado político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Minha crítica é em todos os níveis: municipal, estadual, federal. É massacre e violência contra a população de rua”, cravou. Lancellotti ainda condenou o que classificou como “silêncio da igreja católica”. “Muitos me disseram: o padre da minha igreja põe grade; também não quer os irmãos e irmãs de rua”.
Na visão de Júlio, operações midiáticas e repressivas contra os pobres ferem a mensagem do evangelho, em especial a do evangelho de São Lucas – que serviu de base para sua pregação no último domingo. Ele mostrou uma imagem do beato Pier Giorgio Frassatti, devoto católico italiano que morreu em 1925, aos 24 anos, assassinado no norte da Itália pelas tropas fascistas de Mussolini. O padre disse que o beato – que será canonizado em agosto deste ano – era referência na proteção dos pobres.