POLÊMICA
Topless é ou não crime?
Advogada diz que lei é vaga, fazendo com que a prática de deixar seios à mostra possa ser entendida como crime ou não
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
A prisão de uma mulher de topless na avenida Atlântica, em Balneário Camboriú, no sábado passado, levantou polêmica sobre possível ilegalidade ou abuso de autoridade da Guarda Municipal. Na abordagem, a mulher com os seios à mostra foi detida e autuada na delegacia por “ato obsceno”, mas topless não é crime no Brasil. A prisão é alvo de polêmica por falta de clareza da lei e, na prática, depende do que a autoridade policial considerar um ato obsceno ou não.
A atuação da GM se deu após denúncias de pessoas “chocadas” com a cena. Numa primeira tentativa de abordagem, a mulher seguiu caminhando com os cachorros, passando a reagiar aos agentes. Os guardas usaram a força pra controlar a moça que, segundo a GM, “estava visivelmente alterada, gritando e causando muito tumulto”.
A mulher acabou algemada e foi detida em flagrante, tendo os seios cobertos com uma blusa pelos agentes. O crime de ato obsceno é previsto no artigo 233 do Código Penal, com pena de prisão de três meses a um ano, ou multa, ocorrendo quando o ato é praticado em lugar público, aberto ou exposto ao público.
A advogada criminalista Gabriela Nagel, especialista em Ciências Criminais, explica que, embora a prática de topless não esteja prevista especificamente em nenhum tipo penal, a atitude de tomar sol sem a parte de cima do biquíni, ou simplesmente transitar publicamente com os seios à mostra, como no caso em BC, pode ser entendida como ato obsceno.
Ela lembra que o crime de ato obsceno foi criado em 1940 com a justificativa de evitar a prática de atos que possam causar indignação, ou que sejam vexatórios a quem observa, visando proteger a moralidade coletiva. “Segundo a doutrina, obsceno é aquele ato que fere o pudor, tem conotação sexual e viola os valores e a cultura da sociedade”, diz.
Gabriela ressalta, porém, que a mera leitura do artigo 233 não define o que é um ato obsceno. “Ou seja, estamos diante de um termo vago e impreciso, de modo que interpretar os fatos e analisar se eles se amoldam, ou não, ao crime, fica a cargo do juízo de valor de quem o interpreta, com base em conceitos morais próprios, da sociedade, da época e também da evolução cultural da população”, analisa.
Discussão sobre o que é ato obsceno está no STF
A advogada Gabriela Nagel informa que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou, em 2018, pela existência de questão constitucional e pela repercussão geral de discussão sobre o artigo 233 do Código Penal. Um recurso apontou suposta afronta da falta de clareza da lei a princípio constitucional relativo aos direitos e deveres individuais e coletivos, de que “não há crime sem lei anterior que o defina”.
“Até que haja declaração da inconstitucionalidade da referida norma pelo STF, permaneceremos com essa incerteza e com um tipo penal que, por ser tão aberto, fere diretamente o princípio da taxatividade, um dos quais rege o Direito Penal e exige que a lei seja clara e precisa, de modo que todos possam compreender seu conteúdo”, analisa Gabriela.
Em relação ao episódio em Balneário Camboriú, se o caso resultar em uma ação penal, a advogada explica que caberá ao juiz do caso definir se a prática pode ser considerada um ato obsceno ou não.
Projeto na Câmara pode liberar o topless
Na Câmara dos Deputados tramita um projeto que prevê a liberação oficial do topless no Brasil. A proposta é do deputado Paulo Ramos (PDT-RJ) e altera o Código Penal pra deixar claro que não se considera ato obsceno a mera exposição do corpo acima da linha cintura, seja de homem ou de mulher, em qualquer ambiente público, especialmente em praias, margens de rios e piscinas.
O parlamentar defende a necessidade de preservar as liberdades individuais, considerando que a norma atual existe pra resguardar o pudor público e não para constranger mulheres. Uma proposta do deputado Hildo Rocha (MDB-MA), pra que o topless em locais de banho não seja enquadrado como ato obsceno, foi juntada no mesmo projeto por ser de teor parecido.
No momento, o projeto está na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Se aprovado, ainda deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça pra, então, ser votado em plenário.
“A proposta pretende garantir as liberdades individuais e a igualdade entre homens e mulheres, diminuindo as possibilidades interpretativas do Código Penal e evitando o constrangimento de mulheres no exercício de sua cidadania, conforme o julgamento arbitrário e individual de qualquer agente público”, analisou a advogada Gabriela Nagel.