Para qualquer pessoa que afirma que vive, a vida é um conjunto complexo de comportamentos. Viver é estar em movimento! Viver é estar em relacionamento! Viver é comportamento social e político e cultural e íntimo! Para você ser você precisa ser com os outros. Viver significa comportamentar-se, estar em relação ao mundo, estar diante de um conjunto de externalidades que exigem de você esforços, atitudes, posicionamentos. Viver não é fácil!
Eis porque você não poderá existir sem o mundo que lhe é externo, das pessoas e seres vivos que compõem o cenário no qual você está embutido, dependente e provocante. Músicas de preferência, trabalho, alimentos, bebidas alcoólicas, cigarros, conversas, sono e descanso, excessos e delícias da vida... tudo que forma como você indivíduo. Pouco de você, muito de tudo dos outros. Você não significa o aglomerado de células e órgãos, senão o conjunto de sua estrutura física que luta para se manter viva e, por consequência, seus relacionamentos que persistem em seus comportamentos.
O indivíduo fica superado pela necessidade de metabolizar [extrair energia social e física e química] do ambiente para manter-se como vida social e orgânica e ainda com a capacidade de se autorreparar em caso de danos. Somente assim você poderá ser você como unidade, na medida dos relacionamentos do que lhe são exteriores. Em fato, você somente poderá existir com as controvérsias das outras existências. Para você mesmo, em campo de vida resistente, você é nulidade, isolamento, descarte, inexpressão. Tempo e espaço lhe são exterioridades que correm por suas engrenagens de existência, corroem as junções e promovem suas células em outros seres.
Sua capacidade de viver socialmente e politicamente em sociedade ou coletivamente será expressa em princípios de conversão sensorial do que lhe ocorre fora do seu próprio organismo. Ideais de bem e mal, bom e ruim, vão lhe colocando aos poucos no trajeto da vida social e política, lhe condicionando identidade e imagem, conformando suas avaliações pelas bactérias, fungos, insetos, umidades, pressões e relacionamentos com seus pares. Doenças e dores, gargalhadas e esquecimento do tempo em sorrisos vão lhe dando passos de comportamento.
Você será tolo se imaginar que algo orbita pela sua existência. Sua vida depende menos de você mesmo enquanto organismo do que de seus pensamentos. Você viverá pelas peças traçadas fora de você com parte de seu comportamento. Você é resultado dessa transfiguração genética e social de tentar, enquanto mortal e frágil, se perpetuar. É por isso que nós inventamos a expressão “amanhã”. Aquele dia que nunca poderá existir, que nunca chegará. Amanhã, quando poderá ser, estará no dia seguinte. Estranho tudo isso, não? Especialmente para aqueles que falam que a filosofia é coisa de gente que vive entre livros e não entre pessoas.
Filosofia é a matriz mais simples do cotidiano. Filosofia é referência aos amigos do saber, do conhecimento, das delícias de saber que diante de nós é tudo que pode existir sem você estar ali. O recado e o monumento que você deixa [e nunca leva] é a memória de sua vida frente ao que estava diante de si. Viver é seu sorriso, seu comportamento, seu grito, seus delírios. Viver é quase somente comportamento, não sua aparição orgânica. O orgânico é garantia de espécie. A vida vem de sorrisos e lágrimas.