Um dos muitos traços marcantes no posicionamento de uma pessoa é forma segundo a qual ela encara o que fala e para quem fala. Caso se disponha carregada da verdade sem distúrbios, da realidade autoclarividente, preenchida de autoconsciência das coisas e dos fatos, nada mais restará do que o encerramento de todas as formas de produção de conhecimento. Se alguém sabe tudo, se tem a verdade, para que estudar? Diante de um único ser transfigurado em luz da própria verdade, transcorrendo nas seivas e artérias de qualquer existência, ciência, filosofia e qualquer modelo de sapiência serão partes de lixo que fede na lixeira de larvas. Triste figura fútil chamada humano: vaidoso e prepotente!
Aos limitados, eternos aprendizes da vida, cheios de resultados e sem conclusões determinativas, caberá se posicionar frente ao mundo, ao outro, às coisas... numa infindável série de relações entre tudo. Por nossos limites intelectuais, por nossas engrenagens culturais, por nossos desafios pessoais, por nossos distúrbios de formação, as “fraquezas” se mostram virtuosas. Reconhecer a dúvida como “sangue circulante da vida” e as “verdades” pessoais como artérias fechadas é o passo para a libertação. Liberdade de longa caminhada sem fim.
A Comunicação é o espetáculo da experiência de uma fratura exposta: do fraturado e de quem observa. Falar é demonstrar-se aos outros como se é, quem se é, as formas de se ser. Falar é um instantâneo da comunicação. Mas para os “puros e certos” é toda a comunicação. Como raios que orbitam sua aura, falar é suficiente para se comunicar. Esquecem-se que a comunicação é o que o outro recebe, como percebe, o que entende. A Comunicação é a fala para o outro e não para si. Neste caso, melhor cantar no banheiro, em seu íntimo refrescante e causador de exoneração de incômodos impuros da pele. As paredes do intestino não tomam banho, senão recebem comportamentos alimentares. O intenso interno não é lavado com sabão.
A Comunicação é, sobretudo, o outro. E eis que se forma a relação inescapável de se estar. Ao se falar a alguém, é exatamente este outro que dirá o que foi dito. A quem fala caberá a necessária atitude de reparo caso tivesse solicitado a si mesmo entregar outra coisa distinta do que foi recebido. Desculpas, reposições, reexames pessoais grudam na língua que absorve câimbras reparadoras. Trejeitos, roupas, adereços corporais, maquiagens, formas de olhar, métricas, projeção do corpo, timbre, intensidade e volume... são recebidos como Comunicação.
Somente os tolos imaginam que tem em si, nos esforços de fala da língua, a expressão exata da verdade das coisas. E, por vias de sua necessidade de existência, procurarão os já acordados por sua verdade, o imprescindível depósito de como as coisas são. Se já me aceitam ou não me combatem, é ali que farei minha poupança de mim como “aquele que tem razão”. Tolos, sem saber que assim os são, se apoderam de si mesmos. Os ouvintes esperarão sua ausência para falar sobre o caso. Livres do “caloroso espetáculo da razão”, demonstrarão sua experiência sobre o ocaso da razão individual.
Por tantos e tantos movimentos, as redes sociais são a reserva da intolerância. É “fácil” e “poderoso” falar seus impropérios, queimar “bruxas” em fogueiras de lenha verde e úmida; ou cortar as relações e bloquear acessos relacionais. O todo poderoso dono de si nas redes sociais se enclausura em si e se pretende afastado dos comentários dos outros. Não quer se lembrar de que o outro é a energia da Comunicação. A Comunicação é o outro que tem duas orelhas!