São João da Véspera é um lugarejo com árvores frondosas de verde escuro lustroso, cujo prolongamento de sombras servem de proteção ao sol ardil, mas escondem a infinitude do céu. As ruas eram marcadas por corredores curtos de pedras antigas e epítetos masculinos. Tudo ali era constância, estabilidade, recorrência. Havia em São João da Véspera o espírito da Antiposteridade, um abandono temporário do futuro. Até os sorrisos eram reincidentes: as mesmas pessoas, nas mesmas esquinas, nos mesmos horários, os mesmos cafés, com as mesmas posturas, os mesmos tons de roupas.
Dois prefeitos se revezavam nos últimos 30 anos. Essa era a motivação da vida política: o transitivo entre dois grupos. Seus representantes simbolizavam a capacidade de formação de campos de forças, capital político, arena de lutas, estímulo eleitoral. O Tempo Presente fora mantido em trincheiras de guerra, valas de abrigo, como um refúgio de proteção antifuturo.
A história de São João da Véspera fora escrita por mãos soturnas, já trêmulas, inseguras. A tentativas de transposição do tempo, como a “retificação” dos caminhos naturais de um rio, soava na narração de um livro, um romance histórico ainda não lido pelos ouvintes. Um narrador apoiado numa taça de vinho, numa erudição solitária com cúmplices literários. As passagens de páginas não cultivavam segredos à espreita de revelação de um suspense.
Aos gritos, os que tramaram romper as cordas do revezamento político, não puderam ser ouvidos. Com agudos inaudíveis, os lutadores do tempo serviram apenas e tão somente para manutenção da força do revezamento: incapazes de entender o presente, berravam contra o passado. Não revelavam segredos do futuro; não havia nada a ser colocado no dia seguinte. Os olhos estavam voltados para trás.
Todos próximos, não juntos, constituíam um mausoléu para visitas ao transitivo político. Havia uma recusa do futuro sob o olhar arregalado e lacrimoso do contemporâneo. Todos próximos, não juntos, figuravam como um soldado desgarrado de seu regimento. Como Dom Quixote, mantinham os sentimentos de batalha fora do tempo. Costuravam as curvas da noite com a Linha do Equador e perdiam as referências da alvorada úmida.
São João da Véspera estava prestes a se transportar ao futuro. As condições foram forjadas no presente de todos os dias dos últimos 30 anos: as mesmas pessoas, nas mesmas esquinas, nos mesmos horários, com as mesmas posturas, os mesmos tons de roupas. Algo mudou: o tempo estava diferente, inconstante. O melhor do dia passara a ser o crepúsculo, a mudança, a transformação noite-dia, as delinquências do infortúnio, o vir a ser.
São João da Véspera mudara seus sentimentos, os desejos, a posteridade. A aposentadoria do tempo congelado no transitivo velara a necessidade do nascer do Tempo Rei: seguro e carregado de esperança. Sem gritos agudos, sem vaidade, sem autoproclamação prepotente, a energia política viria de fonte confiável, caráter testado, vida encorajada em tempestades marítimas sob a orientação do mapa familiar provado em trabalho.
Para São João da Véspera a transformação estava no calendário da esquina do tempo, iluminado aos poucos pelo sol horizontal que despontara no infinito do mar. O tempo que surge é jovem e forte, transformador e experiente, disciplinado e livre das trincheiras de guerra, valas de abrigo, refúgios de proteção antifuturo.
A modernização, ainda que tardada, estava representada nas novas construções de São João da Véspera. O lugarejo envelhecido, enrugado e desgastado, passara à modernização em outro compasso, com as mesmas esquinas, novos sorrisos, novos relógios, novas roupagens, novas cores, outros cafés. O tempo se abre!