Vimos, ao longo dos últimos anos, uma cruzada com relação ao sistema eleitoral brasileiro. Até antes um sistema exemplar e seguro; hoje, nas bocas, o gosto amargo da dúvida, e nas mentes a incerteza em relação à consistência do sistema. É o medo que conduz a contração e a violência, ou a manipulação dos discursos que entrega na língua a pauta do que deve ser falado. Enquanto que a reflexão estaciona em qualquer esquina escondida na cabeça.
Se o esforço de pensar é difícil, o caminho mais fácil e cruel é acusar o outro em termos pessoais, íntimos e morais, ainda que seja de forma indireta. Por medos sociais e autoritarismos, entramos numa cruzada das opiniões pessoais moralmente respiradas como legítimas, e da ganância medíocre por ser juiz do que lhe acontece ao redor. Pensar a vida é difícil, executar o veredito sobre o mundo e as pessoas ao redor é o prumo do covarde.
Sempre que houver a gestão de coisas que não são nossas, que não são pessoais, então é imperativo declarar as fontes e circunstâncias. Se são coletivas, ainda que privadas, de pequenos grupos, é a eles que apresentamos “relatórios” e nos colocamos à reflexão. Se são Coisas Públicas [Res-Pública], é a eles que devemos a declaração de transparência pelos atos, sempre no calado do instantâneo, do imediato, durante o percurso dos atos.
No mundo da Res-Pública, a gestão tem que ser auditável. Se do ponto de vista técnico o sistema de votação e apuração de resultados é auditável, controlável, verificável, ainda assim podem conter imprecisões técnicas ou necessidades de aprimoramentos pelos avanços da democracia e da tecnologia. Não como desconfiança, mas por aperfeiçoamento; não por ineficiência, mas por insuficiente; não por ser inservível, mas que pode ser melhorado. Não é desconfiança, senão desenvolvimento. Para isso há, nos órgãos de controle, grupos permanentes de análise e testes ocasionais de integralidade do sistema. Até hoje, de acordo com os próprios concorrentes, o processo eleitoral é “pouco eficiente” nas campanhas dos partidos, mas seguro em seus resultados. Está na Política a urgência da revisão. Enquanto se discute sobre os botões da urna, os orçamentos secretos evaporam o dinheiro público em mãos “privadas” e se declara 100 anos de sigilo para informações sobre atos públicos.
A Gestão Auditável dos governos não permite que, pelo prazer do governante ou para a escuridão de seus atos, haja centenários para acessos a informações, documentos, atas de reuniões. O que é público tem que ser tratado como tal e para tal. Agir em cidadania, em cidadãos, em democracia, em república. Por enquanto, tais personagens da política serão tratados em diminutivo, quando existentes.
A necessidade de Comissões de Investigações parlamentares e o conjunto de processos e procedimentos de investigação nos tribunais são o reflexo da fresta de transparência quase intransponível pela luz do nascer do sol. Procedimentos de “brincar de esconde-esconde” e de exigir em transparência o mundo do vizinho é uma perversão autoritária, particularista e que move o eleitor para a batalha e à guerra, e não para a cidadania. Parece ser mais importante ter uma arma para executar o veredito do que ter no voto expressão de democracia.
A Gestão Auditável não terá nenhuma legitimidade democrática daqui a 100 anos, depois dos sigilos serem quebrados como vidro, tampouco interesse de nossa parte. É provável que estaremos em outra parte de outra vida em qualquer outro lugar.