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Agora terá que resistir!
Agora terá que resistir!
Ainda na quarta série do ensino fundamental, ser a escolhida para apresentar um trabalho para todos na escola era a coisa mais fascinante, principalmente para uma menina que vivia isolada da turma e sempre tinha dificuldade pra arranjar um par para a festa junina ou para se entrosar e fazer parte de algum trabalho de rotina. A garota escolhida fui eu.
Foi exatamente naquele dia que tudo mudou para mim. Era o fim da minha apresentação, feriado da Independência do Brasil, após segundos de aplausos saí do palco e fui até a sala de aula, ainda não havia ninguém, estavam todos no pátio, fui até a minha carteira e me sentei, comecei a observar a sala ao redor e me deparei com uma banana, embaixo da mesa, juntamente com um bilhete: “Essa banana é pra você, sua macaca horrorosa”. Naquele exato momento eu não sabia o que de fato se tratava, até então eu não sabia o que era racismo, não sabia que era preciso resistir aos 10 anos de idade.
Ler aquele bilhete foi como pensar: “Agora tudo faz sentido”. Para mim o fato de ser a garota invisível e isolada da turma era apenas bullying, mas não, havia algo pior por trás de tanta exclusão, tinha alguém me odiando pela minha cor, pelos meus olhos, boca, pelos traços dos meus ancestrais.
Daquele momento em diante minha mãe sentou a minha frente, olhou para mim com um semblante de tristeza e ao mesmo tempo, como se fosse desabar, me explicou o que era o racismo. Eu olhei com um olhar interrogativo e ela, tão paciente e sublime me disse: “A partir de hoje você terá que resistir”. Eu podia sentir seu olhar distante e firme, queria chorar mas precisava transmitir força, eu, tão minúscula e inocente indaguei: “resistir ao que, mãe?” e ela sorriu e a lágrima que não queria cair desde o início derramou; ela me abraçou.
Enquanto mulher negra tenho uma militância diária a ser feita, eu vivo a minha realidade através do preconceito, racismo e da invisibilidade exarcebada, e quando nós, mulheres negras, falamos de invisibilidade abre-se um leque de conceitos e didáticas que temos que discutir, e uma delas é a cruel “solidão da mulher negra”.
Desde então precisamos entender que essa solidão não se denomina somente para relacionamentos afetivos, essa invisibilidade vai desde a infância até a fase adulta. Somos inferiorizadas na entrevista de emprego, quando não temos o perfil de uma mulher padronizada; na fila do hospital quando somos consideradas fortes o suficiente para aguentar mais dores que uma mulher branca; nos relacionamentos quando somos abandonadas pelos nossos parceiros e sofremos para cuidar de nossos filhos sozinhas, nos tornando então mulheres exaustas e sobrecarregadas.
Ser uma mulher negra num país racista é ter que construir e reconstruir a sua autoestima dia a dia pela falta de representatividade nos meios de comunicação em massa; é ser sexualizada no carnaval, num turismo sexual exarcebado e não receber uma rosa no dia das mulheres, somos sempre taxadas de “quentes” na cama pela sexualização de raça, despertando o desejo, mas nunca o amor e a paixão. É necessário ressaltar que somos a maioria nos índices de feminicídio, violência sexual, psicológica, obstétrica e doméstica.
Hoje sei o que é nascer uma mulher negra num país extremamente racista. Eu, Laiela, resisti aos 10 anos de idade e sei que vou precisar resistir por mais 10.
Laiela Santos
O Mercado Público de Itajaí, também conhecido como Mercado Velho, que já completou 100 anos em 2017, vem de receber uma importante e valiosa benfeitoria: o minucioso e bem feito restauro de seu artístico e também centenário chafariz. Merece, por isso, elogios, à municipalidade de Itajaí.
Elemento ou obra de arquitetura em paisagismo como ornamentação, os chafarizes já eram conhecidos no Egito antigo, na Grécia e em Roma; assim como na China. Mas foram os árabes, quando conquistaram a península ibérica no século VIII, que deixaram em Portugal e Espanha o costume de construir chafarizes. Aliás, o nome chafariz vem mesmo do idioma da Arábia e significa cisterna ou tanque. É que os árabes, morando em terras quentes, gostavam de refrescar suas residências, providas de pátios internos, com água jorrando de chafarizes.
Os chafarizes ao longo do tempo passaram a ser construídos tanto em propriedades particulares (casas, mosteiros, igrejas), como nos espaços públicos de praças e mercados.
O chafariz do Mercado Público de Itajaí é uma obra de arte, que foi ali colocada com o duplo objetivo de ornamentar o seu interior e servir como fonte d´água aos usuários do local.
E quem foi o artista? O italiano Luigi Collares, patriarca da conhecida família itajaiense, imigrante da cidade de Livorno, chegado ao Brasil com nove anos no final do século XIX. Ele aprendera com o pai, também artista, com quem havia imigrado, a arte da escultura e da decoração de frontarias de casas e edifícios. Em Itajaí, foram trabalhos seus, que se sabem, as fachadas da sede antiga da Sociedade Guarani e da casa de Bonifácio Schmitt e a “Ponte dos Suspiros”, construída sobre um lago que havia na Praça Vidal Ramos.
A influência da arte italiana no chafariz do Mercado Público pode ser notada no uso da coluna clássica que sustenta a obra, na presença de folhas de acanto como elementos de sua decoração, terminando a coluna com um grande anel como ela se estivesse invertida. A última parte do chafariz é uma superposição de anéis sobre um pedestal também decorado. Lá em cima está águia republicana da bandeira de Santa Catarina, de asas estendidas, que simboliza as forças produtoras. Ela segura com a garra direita uma chave, para dizer que o Estado é ponto estratégico do litoral brasileiro e com a esquerda, uma âncora, que significa a segurança da navegação.
Por fim, vale destacar a sensibilidade e competência do administrador público municipal que, há cem atrás, tomou a feliz decisão de contratar o artista para criar a obra de arte que ornamentasse o Mercado Público de Itajaí e ao mesmo tempo saciasse a sede de seus usuários. Arte - beleza - saciando a sede do espírito e do corpo. Onde mais se encontra tal nos espaços públicos da cidade?