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O médico e o pedreiro
Sabino era pedreiro. Castanheiras, médico. O destino uniu-os em uma demanda do doutor Castanheiras e numa oferta de Sabino. O médico necessitava de uma pequena reforma no consultório e, num anúncio publicado por Sabino, consultou orçamentos e optou pelos seus serviços.
A reforma no consultório durou 5 dias. Após receber o que lhe era devido, Sabino recolheu-se para dar continuidade a sua vida e a seus trabalhos. Passados três meses, o filho do pedreiro adoeceu e ele lembrou do médico que havia sido seu cliente. Resolveu entregar o filho aos cuidados do doutor. Logo na chegada ao consultório, fez o pagamento da consulta ao médico, que lhe custou o equivalente a três dias de trabalho. Trinta minutos depois, saiu com o filho e uma receita médica para a cura da enfermidade.
Na volta à casa, perguntou-se em voz alta sendo ouvido pelo filho:
- O que faz com que o serviço de Castanheiras seja tão mais valorizado que o de um operário como eu? Por que a minha experiência de 10 anos de profissão e a habilidade para alinhamento e disposição de peças e azulejos formando bonitos mosaicos são tão pouco valorizadas?
As obras armazenadas no currículo de nada lhe valiam. Seu dia de trabalho valia dois centésimos do dia do doutor.
Seria o equivalente a dizer que 50 dias de seu trabalho valia um dia do doutor. Dessa forma, ele teria de ter o equivalente a 50 vidas para adquirir o que o doutor adquirira.
Com profundo ar de indignação rasgou a terceira pergunta:
- Quem determinou que o serviço de uma obra valesse tão pouco monetariamente? Quem pretendeu um dia separar os trabalhos em classes monetariamente organizadas para dizer que os dias de suor de um obreiro valeriam poucos minutos do trabalho de um doutor?
Seu filho, com apenas 12 anos, explicou-lhe o que havia aprendido na escola.
Pai - disse o filho. - Desde que começaram os domínios de uma tribo sobre a outra, no início da história, de uma nação sobre a outra, os vencedores tiravam a vida dos vencidos. Alguns vencidos eram poupados, desde que se submetessem a escravização. Assim, os escravos ganhavam o direito a um pouco mais de vida; e os vencedores, alguns escravos a mais. Assim nascem duas morais: uma de quem escraviza e que, moralmente, não deve ser repreendido, pois em um ato generoso deu sobrevida a quem não merecia; e uma moral do escravizado, que trabalhava por essa concessão que lhe fora feita. Os sistemas mudam, mas não mudam muito. Hoje seria o equivalente a dizer que a sua profissão, na história, teria perdido a guerra.
Sabino pensou nas palavras do filho, refletiu e chegou à conclusão de que não conhecia nada de história, mesmo das histórias dos azulejos e mosaicos que punha nas casas. Pegou a mão do filho e disse:
- Você vai continuar estudando, quem sabe assim seja um vencedor da guerra.