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Retalhos de palavras
Sentei-me, ao final da tarde, sob uma árvore verde e copada. Um feixe de luz alcançava a prancheta que eu tinha às mãos. Num papel pardo, comecei a deslizar suavemente a caneta. Os traços foram tomando forma. Lembro da primeira palavra que saiu e, em seguida, a segunda, que se acorrentou à terceira, que, por sua vez, emendou-se à quarta. Depois de algumas linhas, os contornos sobre o ofício estavam dados.
No entanto, a caneta insistia em continuar soltando tinta e nada que eu fizesse era capaz de detê-la. Ela tinha força própria e corria sobre aquelas linhas como se tivesse vontade autônoma. Não conseguia compreender o que ocorria, mas precisava continuar dando vazão ao espetáculo. Sonhos ganhando asas e manchando a folha como se fossem pássaros libertos.
As palavras completavam-se, atribuíam sentido e significado umas às outras. A continuidade não se perdia; era como se elas fossem órgãos ordenadamente ligados para permitir o funcionamento de um sistema perfeito.
Os minutos foram passando. A luz do sol resolveu, vagarosamente, esconder-se entre as nuvens. A caneta, percebendo a timidez da luz, enfraqueceu. Entristecida, começou a falhar. Passaram-se alguns segundos. A luz ofegante soltou purpurinas voltando a dar brilho ao papel. A caneta então atufou-se de energia e voltou a chorar lágrimas azuis sobre a página. As palavras nuas misturavam-se às vestidas. Estas se trajavam de nobreza; entrelaçavam-se a palavras pobres e de pouco valor.
Não consegui compreender como cheguei ao final do texto. Apenas constatei que, quando a luz da estrela central se desalinhou com este cantinho de terra, as forças da caneta esvaíram-se e, então, havia uma linda colcha de retalho de palavras sobre o papel.