PL Antifacção

Mudanças no texto não resolvem problemas do projeto, dizem especialistas

Endurecimento penal, falta de controle da inteligência e contexto político travam avanço da proposta no Congresso

Marina Ramos/Câmara dos Deputados
Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Por Caio de Freitas | Edição: Ludmila Pizarro

Numa tentativa de agradar gregos e troianos, o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), inflamou a disputa entre governo e oposição e quase se indispôs com os dois lados ao mesmo tempo.

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São as consequências da tramitação do Projeto de Lei n.º 5.582/2025 no Congresso, apelidado pelo governo como ‘PL Antifacção’ e renomeado por Motta para ‘Marco Legal do Combate ao Crime Organizado’. A proposta mira o combate nacional a organizações como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Com total apoio do presidente da Casa, o relator do projeto, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), entregou quatro versões oficiais do texto em menos de uma semana. As idas de vindas na redação da matéria foram motivadas pelas críticas do governo e da oposição contra a versão do relator, um conhecido opositor da gestão Lula (PT).

Por que isso importa?

  • Segurança Pública deve ser um tema importante nas eleições de 2026 e Projeto de Lei já mostra embates que podem surgir no pleito.
  • Apresentado pela base do governo, PL Antifacção segue sem equiparar facções criminosas a grupos terroristas.

As mudanças em tão pouco tempo salientaram a falta de consenso do projeto, motivo que levou Hugo Motta a adiar a votação do PL Antifacção para a próxima terça-feira, (18 de novembro).

Problemas persistem no texto atual, dizem especialistas

Fora do universo da política, especialistas em segurança pública ouvidos pela Pública criticaram a atual redação do projeto, mesmo após as diversas mudanças feitas por Guilherme Derrite.

Para eles, excesso de punitivismo sem levar em conta a hierarquia interna das facções criminosas, falta de coordenação e controle da inteligência policial e inexistência de estudos sobre os efeitos do projeto nas prisões são alguns dos problemas que persistem no texto do projeto.

Para o professor da Escola de Direito da PUC-RS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo Azevedo, “o sistema prisional brasileiro continua servindo, em muitos casos, como espaço de reunião, recrutamento e coordenação das facções”.

“Ao ampliar penas e restringir benefícios, reformas dessa natureza agravam a superlotação e as falhas da execução penal, alimentando o problema que dizem combater”, disse Azevedo.

O ex-ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff (PT) Eugênio Aragão também criticou o aumento generalizado do tempo de prisão. “Tipos penais mistos são sempre problemáticos, pois tratam condutas de gravidade e periculosidade diversas por igual. As penas sugeridas no projeto, de até 40 anos com aumento de pena em até 1/2 (ou seja, 60 anos), são inéditas no direito penal brasileiro” afirmou.

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Na visão do ex-ministro, “quer-se empoderar mais uma vez a polícia em detrimento dos outros atores da persecução penal [processo penal]”.

Tanto Eugênio Aragão quanto Rodrigo Azevedo sugerem que o endurecimento de penas pode ter um efeito inverso. “O projeto [original] previa uma cláusula “privilegiadora”, mecanismo importante para diferenciar papéis dentro de organizações. Mas, sem essa distinção, líderes e membros de base passam a ser tratados sob o mesmo patamar, com penas de 20 a 40 anos, algo que desestimula colaborações, dificulta investigações e amplia o encarceramento”, avalia o professor da PUC-RS. De acordo com o ex-ministro da Justiça, “a construção dos tipos penais [no texto atual] foi feita ‘nas coxas’”.

Por outro lado, para membros do Ministério Público (MP) a proposta mais recente mostra avanços em relação às versões anteriores. A redação atual do PL Antifacção, entretanto, ainda restringe a atuação do MP em investigações contra organizações criminosas.

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“Foi retirada a possibilidade de que o juiz decidisse cautelares sem prévia manifestação do MP, mas um dos artigos da lei manteve um prazo de 24 horas para manifestação [do MP], o que não é factível”, afirmou a procuradora do Ministério Público Federal (MPF) e diretora jurídica da Associação Nacional de Procuradores da República, Luana Vargas Macedo.

Quem fiscaliza e coordena a inteligência policial?

Outro ponto criticado se refere à atuação e integração de órgãos de inteligência no combate ao crime organizado. Ainda na terça, o deputado Guilherme Derrite disse querer uma “livre comunicação do sistema de inteligência das polícias”. A Pública já revelou problemas ligados ao uso de uma ferramenta espiã que opera sob controle direto de Derrite, como secretário de Segurança Pública de São Paulo: software Muralha Paulista, que funcionou por mais de um ano e meio sem qualquer decreto de regulamentação.

No atual texto do PL, Derrite defende a criação de bancos de dados de membros de organizações criminosas pelos governos federal e estaduais em até 180 dias após a aprovação do projeto. Os dados seriam acessados “por meio dos sistemas de inteligência das forças de segurança pública”, seguindo normas do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

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Mas o acesso aos dados ocorreria sem coordenação ou envolvimento direto dos gestores do SISBIN, que é coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Procurada pela Pública, a Abin não respondeu até a publicação desta reportagem. Caso se manifeste, haverá atualização.

“Em termos práticos, o [atual texto do] PL Antifacção autoriza a criação de uma base biométrica e comportamental de alta sensibilidade, com dados de natureza penal, sem garantias mínimas de proteção, o que pode institucionalizar um banco de suspeitos permanente”, disse à reportagem o pesquisador Vinícius Silva, da ONG Data Privacy – especializada em direito digital, tecnoautoritarismo e segurança de dados cidadãos.

Para o pesquisador, a proposta de Derrite repete problemas similares aos de outras iniciativas tecnológicas no campo da segurança pública. Entre eles, a ausência de um “órgão controlador, auditorias independentes ou mecanismos de transparência e controle social”, a inexistência de uma “base legal para o tratamento dos dados” e “o compartilhamento entre bancos federais e estaduais sem parâmetros técnicos e jurídicos de segurança da informação, criando risco de vazamentos e uso indevido”, explicou Silva.

“A cada dia, se faz mais necessária a aprovação de uma LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados] Penal, organizando as boas práticas na “datificação” da segurança pública. Mas, enquanto isso, há algumas salvaguardas da LGPD que devem ser respeitadas”, complementou o pesquisador da Data Privacy.

Idas e vindas do PL Antifacção

Na manhã da última quarta-feira, 12 de novembro, a votação do PL Antifacção na Câmara dos Deputados parecia certa, com a proposta listada na agenda de votações do Plenário naquele dia. Na véspera, mesmo com discordâncias, parlamentares da base e da oposição sugeriam ter interesse em votar o texto modificado do deputado Guilherme Derrite.

Mas o panorama mudou após a visita de governadores do campo da direita, membros do autodenominado ‘Consórcio da Paz’, ao presidente da Câmara: Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro; a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP); Jorginho Melo (PL), de Santa Catarina; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União). O grupo pediu mais tempo para avaliar o projeto, sugerindo também articulações do relator com membros do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Após a reunião, representantes da oposição na Câmara voltaram a insistir na classificação de grupos como CV e PCC como terroristas – a despeito de riscos contra a soberania do país, como reportado pela Agência Pública.

Antes disso, a ministra de Relações Institucionais do governo Lula, Gleisi Hoffmann (PT), já havia apontado pontos de divergência do Poder Executivo em relação à terceira versão do projeto.

Na véspera, dia 11 de novembro, houve troca de farpas entre líderes do governo e da oposição, incluindo recados e indiretas do presidente da Câmara. “Nós vamos manter um texto duro, isso eu não abro mão”, afirmava Derrite naquele dia, lado a lado com Hugo Motta durante uma entrevista coletiva no Salão Verde da Câmara.

“Estamos dizendo que não vamos compactuar com qualquer narrativa que venha a dizer que a Câmara não está agindo para garantir mais segurança pública ao nosso país”, disse Motta, na mesma ocasião.

Horas antes da coletiva de Motta e Derrite, sem a presença de nem um parlamentar de esquerda ou da base mais fiel à gestão Lula, o vice-líder do governo e líder do PT na Casa, deputado Lindbergh Farias (RJ), disse à Pública que, “enquanto o Derrite for relator, não tem jeito”. “Ele desfigurou tudo que foi proposto”, afirmou ainda, evidenciando a irritação do governo com o andamento da pauta.



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