ITAJAÍ
PT entra com recurso após OAB arquivar denúncia contra “doutora Pix”
Liliane Fontenele é acusada de liderar atos antidemocráticos em Itajaí. Ela afirma que apenas exerceu sua liberdade de expressão
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
O diretório municipal do PT em Itajaí entrou com recurso contra a decisão da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB/SC) que arquivou liminarmente a denúncia contra a advogada Liliane Fontenele, conhecida como “doutora Pix”. Ela é acusada pelo diretório petista de liderar os atos antidemocráticos e o acampamento montado em frente à Marinha em Itajaí após as eleições presidenciais de 2022.
A denúncia também aponta que a advogada seria organizadora e financiadora de atos golpistas ocorridos em Itajaí, Florianópolis e Brasília (DF), em movimentos que pediam intervenção militar contra a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Liliane afirma que não participou de nenhum ato antidemocrático, golpista ou criminoso, alegando apenas ter exercido o direito de liberdade de expressão como cidadã.
O processo contra a advogada não foi sequer aberto pela OAB/SC, com a denúncia logo arquivada. A ação do PT buscava a abertura de processo disciplinar junto ao Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da entidade. A justificativa para o arquivamento foi que a advogada não teria praticado os atos no exercício da profissão, mas como cidadã comum. A OAB também considerou que Liliane não tem condenação com trânsito em julgado por nenhum crime.
No recurso contra o arquivamento, o advogado Marcelo Saccardo Branco entende que a decisão contraria decisões e recomendações tanto de outras seccionais como da OAB nacional. Marcelo fez referência a uma decisão recente, de 2020, do Conselho Federal da OAB, com entendimento de que é impossível separar a vida pessoal da figura como advogado.
“O advogado deve a todo momento manter a honra e a dignidade de sua profissão. Ele deve se abster de praticar, também em sua vida privada, conduta que redunde em descrédito da advocacia. Espera-se do advogado que mantenha os preceitos éticos também em sua vida pessoal, para não ferir a dignidade da advocacia e de sua função social”, analisou.
Marcelo destaca que “um advogado financiando e clamando por um golpe de Estado traz descrédito para toda a classe”. Para ele, houve quebra do juramento assumido ao se entrar na advocacia e infração de normas da categoria. “Se o advogado se compromete em defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático, não pode ele em seu tempo livre atacar e tentar abolir a Constituição e o Estado Democrático de Direito”, frisa.
Recurso será analisado por conselho
Descontente com o arquivamento, o presidente do PT de Itajaí, Gerd Klotz, informou que o recurso contra a decisão foi protocolado nesta terça-feira para análise do conselho da seccional.
O julgamento será pelo órgão colegiado, considerando que o arquivamento da denúncia foi dado pela presidente da OAB/SC, Cláudia da Silva Prudêncio.
“Este indeferimento que ela [Cláudia] deu à nossa representação contra a doutora Pix com certeza tem viés ideológico também”, acusou Gerd, lembrando a denúncia em que a presidente foi acusada de assédio moral contra funcionárias, em caso publicado pelo The Intercept Brasil em 2022.
O DIARINHO quis ouvir o posicionamento da OAB/SC sobre o arquivamento da denúncia, mas não teve resposta.
Em trecho da decisão, os julgadores relatam que “os fatos ocorridos parecem ser relacionados à vida da representada na condição de cidadã, e não restou comprovado que seria no exercício da advocacia”.
Também foi considerado no caso uma decisão da entidade de 2006. O julgamento versa que a violação do direito de vizinhança ou qualquer ato ilícito na vida civil cometido por advogado, na condição de cidadão, não o torna inapto para a advocacia.
O recurso do PT discorda da comparação entre os dois casos.
Respeito à Constituição está na essência da profissão, opina advogado
O advogado João Paulo Tavares Bastos, ex-presidente da OAB de Itajaí e ex-conselheiro federal da OAB, opinou sobre o arquivamento da denúncia. Ele avaliou que, apesar da OAB não ser censora da vida privada dos advogados, pode vir a ser nas demandas públicas. “Até porque, sem respeito à Constituição e às leis, nosso exercício profissional fica prejudicado”, opina.
Segundo lembrou, a ordem tem o controle ético de seus membros, a defesa das prerrogativas da profissão e a defesa do Estado Democrático de Direito entre as missões institucionais. Ele considerou que, além de passar na prova da OAB, é preciso fazer um juramento público pra ser tornar advogado, onde o profissional se compromete a defender a Constituição, o direito, a justiça e a democracia.
O compromisso está previsto na lei federal 8906/94. “Quem descumpre esse juramento merece, sim, responder perante à instituição a qual pertence. Até porque, quando há esse tipo de manifestação, a pessoa se identifica como sendo advogada. Sua opinião, presumivelmente, deve ser baseada na Constituição e nas leis”, analisa João Paulo.
O advogado ressaltou desconhecer a fundamentação legal para a decisão da OAB/SC, mas comentou a questão entre a vida pessoal e o exercício da advocacia. Para ele, caberia responsabilização, uma vez que as ações do advogado devem ser guiadas pela ética e moral.
“Atentar contra a democracia é crime. O que é relevante para o direito penal é igualmente relevante para responsabilização administrativa perante o conselho de classe”, completa.