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Um brinde à paixão
Ah, que saudade de antigamente! Naquele tempo, sim, bebia-se com paixão. Lembro-me do bar da tia Lucrecia. O ambiente era discreto e aconchegante. No piso superior funcionava um bordel. Com esse nome tia Lucrecia, queria o que? Enfim; mariposas à parte, tia Lucrécia preparava um drinque de arrepiar.
A birra, especialidade da tia Lucrecia era elaborada com cachaça, coca-cola, gengibre moído e pimenta verde. Tinha que ser verde. A vermelha não dava liga. Batia-se tudo, com bastante gelo, em um liquidificador e, pronto! O cliente podia saborear a melhor birra da região. Os adeptos do venen... Digo da bebida, não eram econômicos no vocabulário ao descreverem a birra preparada por tia Lucrécia. Hummmmm... É divina!
Hoje, tudo mudou. Já não se bebe mais como antigamente. Há excesso de racionalismo e ausência de paixão. Falta poesia. Ninguém bebe recitando Baudelaire.
- Hoje: Cara, que porre. Bebemos todas. Pensei que fosse morrer, cara! Cheguei até a vomitar um pouquinho.
- Antigamente: Grande coisa! Se for pra vomitar pouquinho, melhor nem vomitar. No meu tempo, bebíamos jarras e mais jarras de birra antes de vomitarmos. Fazíamos até aposta para ver quem vomitava mais. E, depois, quem vomita pouquinho, como você disse, é porque não bebeu todas. Mentiroso!
- Hoje: Pois é, gata. Com a gente é assim. Depois que tomamos meia dúzia de cervas começamos a recitar uns poeminhas, entende?
- Antigamente: Poeminhas! Que porra é essa? Ou bem recita um poema ou não recita droga nenhuma. No nosso tempo, separávamos meia dúzia de cervas para a sobrinha da minha vizinha, e tomávamos caixas e mais caixas de geladas. Antes, claro, detonávamos algumas jarras de birra. Só depois, recitávamos Edgar Alan Poe, Neruda, Baudelaire... Pergunta pra eles se sabem o que é poeminhas. Pergunta, babaca!
- Hoje: Então, cara. Aí, depois de muitas cervejas, começávamos a mandar coquetel. Aquilo dá um fogo, cara.
- Ah, é? Coquetel dá fogo? Antigamente, não. Naquele tempo, só as gestantes bebiam essa água doce. As vitaminas das frutas eram indicadas para fortalecer os ossos dos bebês.
- Agora, o cara vem dizer que aquilo dá fogo. Que frescura é essa, porra?
- Hoje: Sabe como é... Melhor chegar cedo. A gente fica por ali, azarando, sabe como? Tomando uma dosinha...
- Antigamente: Que viadagem é essa? Dosinha, caso conste no dicionário, seria o equivalente a meia dose. Porque não tomam logo a dose inteira? Na nossa época tomávamos era dose mesmo. Uma jarra de birra comportava algumas doses.
- Hoje: Nem te conto cara. Que pileque tava tão mal que tive que ir tateando a parede à procura do interruptor. Tinha que clarear o ambiente entende? Cara, eu tava muito mal.
A única maneira de clarearmos o ambiente era abrindo a porta da geladeira. Tínhamos que cruzar a cozinha engatinhando, literalmente, em direção ao local onde imaginávamos estar localizada a bendita geladeira.
- Hoje: É sério, cara. Não bebo mais. Fiz promessa pra deixar a bebida. Eu cheguei ao fundo do poço, está sabendo? Tava tomando umas 40 cervas por semana. Uma loucura! Aí, tive contato com a sabedoria e abandonei a bebida, entende? O excesso na bebida causa a irritação, a cólera e numerosas catástrofes. Vide Eclesiástico; capítulo 32, versículo 38.
- Antigamente: Que vergonha! Onde já se viu fazer promessa para deixar de beber. E, depois, olha a apelação, cara. Recorrer a personagens bíblicos pra camuflar sua fraqueza? O que é isso? Tem uma coisa: Eclesiástico só escreveu o que escreveu, porque não foi contemporâneo de tia Lucrécia. Caso houvesse experimentado a birra, não teria escrito nada daquilo, sacou? Quanto à motivação de tua promessa, tomar umas 40cervas por semana, sem comentários! Quarenta cervas tomavam as menininhas do colégio, seu bundão. Ah, que saudade! Antes de hoje, bebia-se muito melhor que hoje. Até amanhã!
* O autor é jornalista