Dia de luta
Acesso difícil à educação e ao mercado de trabalho são problemas para mulheres trans
Especialistas sugerem adoção de políticas de inclusão para estimular a contratação de mulheres trans
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Por: Joca Baggio
Embora seja crime no Brasil, a transfobia é um dos causadores da exclusão das mulheres trans no mercado formal de trabalho. O estigma sofrido por essas mulheres vai desde olhares incômodos na hora da entrevista ao não uso do nome social, mas também passa pela má divulgação da vaga, onde elas não têm acesso à informação. Nem as vagas afirmativas, que são aquelas adotadas para combater discriminação e promover a igualdade, minimizam os problemas enfrentados.
Essas vagas, na grande maioria, não são para posições-chave ou cargos de liderança, mas sim para postos de entrada como recepcionistas ou ocupações com grande rotatividade, a exemplo do atendimento de telemarketing. Isso faz com que a renda média de 33% dessas mulheres seja de até um salário mínimo, segundo o dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
O pesquisador e professor do Núcleo de Estudos em Gênero e Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Rodrigo Moretti, diz que hoje já se percebe algumas políticas de inclusão, sejam públicas, a exemplo das universidades, ou políticas de mercado de contratação e de capacitação, o que vem resultando em mais mulheres trans no mercado. No entanto, ainda há um longo caminho pela frente.
“Com relação à questão das mulheres trans assumirem cargos de chefia e altas posições em empresas, esse é um assunto que precisa ser pensado. Se a questão do machismo ainda não foi resolvida e acaba muitas vezes impedindo que mulheres cis assumam esses cargos, para as mulheres trans o desafio é muito maior”, explica o especialista. Outro ponto elencado por Moretti é a falta de escolaridade das mulheres trans. Ele diz que quando uma mulher trans chega à universidade, geralmente de classe média e média-alta, ela conclui a graduação e continua na carreira acadêmica. Mas elas são minoria. No geral, são poucas as que chegam ao ensino superior.
Uma exceção à regra vira inspiração
A pedagoga, pós-graduada em Alfabetização e Linguagem Christianny da Cunha Borba, de 37 anos, parece ser uma exceção à regra. Ela conta que iniciou sua transição aos 15 anos e passou por muita discriminação e preconceito, principalmente no mercado de trabalho. “Mas existe uma mãe que me impulsionou a ser quem eu sou hoje: corajosa e guerreira, e um esposo que sempre esteve ao meu lado, me incentivando e que tem muito orgulho de mim”, conta.
O profissionalismo de Chris, como é chamada, também não gerou preconceito por parte de pais de alunos, que era uma coisa que ela temia quando optou pela educação infantil. “Nesses anos de caminhada na educação sempre fui muito amada, acolhida e respeitada por pais e alunos. Confesso que a cada ano é uma surpresa. Mas quando me conhecem, o respeito e o amor prevalecem na nossa relação profissional”, comemora.
“Hoje temos deputadas, vereadoras, professoras, inúmeras outras profissões ocupadas por mulheres trans, o que estamos conquistando aos poucos. Mas estamos longe de ser o país ideal, livre de preconceito, e não falo apenas de preconceito com os homossexuais”, analisa.
Discriminação na escola e no trabalho
A realidade de Natalye Furtado, de 25 anos, de Navegantes, exemplifica a afirmação de Moretti. A transfobia a afastou da escola e, para conseguir concluir o ensino médio, precisou fazer o Encceja, exame pra quem não concluiu o estudo na idade adequada.
Além do ensino, Natalye também enfrentou problemas no mercado de trabalho. “Aos 18 anos eu trabalhei num fast-food, porém, não fui respeitada, fui violentada várias vezes de formas verbais e discriminatórias. Depois busquei outras oportunidades, que me foram negadas por eu ser trans”, desabafa. Ela também trabalhou no comércio e diz que enfrentou ignorância, falta de empatia, violências discriminatórias, verbais e até sexuais. “Hoje estou trabalhando na secretaria de Saúde e agora sou respeitada como mulher trans.”
Superar barreiras
A pesquisadora e artista visual Joanna Leoni, de Brusque, diz que o mercado de trabalho para pessoas trans é característico pelas violências que marcam os corpos transgênero. “O corpo é que chega antes e o corpo trans ou travesti é o primeiro a ser lido quando tentamos acessar postos de trabalho”.
Ela complementa que tudo o que o imaginário da cisgeneridade construiu sobre as mulheres trans está associado à incapacidadee despreparo. Acrescenta que não são raras notícias de demissões, processos, exonerações de pessoas trans. “Independentemente de nossas formações, capacitações, referências e habilidades, encontramos obstáculos em acessar e permanecer em trabalhos formais.”
Joana concorda com Moretti que hoje existem ações que visam superar estas barreiras, como a TransEmpregos, um canal de divulgação de vagas com ações afirmativas para pessoas trans e que aponta um caminho positivo para a inserção destes corpos no mercado de trabalho. “Mas o que está em falta é o preparo da empresa junto aos funcionários para políticas de acolhimento. Falta o básico para um espaço seguro e confortável”, completa.
Não há receita para o sucesso da mulher trans
Franchesca Aurora, de BC, é psicóloga e mulher trans que se tornou uma profissional referência no atendimento a pessoas transgênero. Ela é respeitada no meio onde atua, mas conta que nem sempre foi assim.
“Para chegar onde cheguei teve muita luta, muito sofrimento, muito choro. Mas o que mais me ajudou foi a oportunidade e sorte, porque não são todas que conseguem chegar onde cheguei, que conseguem concluir o ensino médio, uma faculdade.”
Ela também fala sobre a evasão escolar. “Somos expulsas das escolas por conta do extremo preconceito, das violências, da exclusão nesses ambientes. Aí acabamos não dando conta de nos formar e muito menos de chegar numa faculdade, o que nos afasta ainda mais de outras oportunidades de trabalho”. Segundo ela, não há fórmula pronta. “Somos tão individuais e vivemos num mundo tão desigual que vai ser uma trajetória única para cada uma de nós.”