Praça dos correios
Projeto quer dar nome de político à praça idealizada pela comunidade
Para voluntários, mudança vai contra a história e a trajetória do local
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Os voluntários que idealizaram a Praça dos Correios, no centro de Itajaí, estão revoltados com uma proposta apresentada pelo vereador Rubens Angioletti (PL) pra que o local, adotado pela comunidade após a demolição do antigo prédio dos Correios, seja chamado de praça Governador Antônio Carlos Konder Reis.
A queixa é que o vereador, que nunca teria se envolvido com o projeto comunitário, agora quer impor a denominação de uma personalidade política que, embora importante na história da cidade e do estado, também nada tem a ver com a revitalização do espaço que já foi cogitado para uma estacionamento e edifício privado e só virou uma praça após a mobilização de voluntários que, na época, não receberam apoio público de políticos.
Antônio Carlos Konder Reis foi deputado estadual e federal, senador da República e governador de Santa Catarina. Ele faleceu em 2018, aos 93 anos, em Itajaí. O projeto do vereador prevê a revogação de uma lei aprovada em 2022, que denomina de Praça dos Correios a área entre as ruas Gil Stein Ferreira, Felipe Schmidt, Dagoberto Nogueira e Edmundo Heusi.
Rubens justifica que vai atender ao pedido de cidadãos, de forma a homenagear quem “prestou relevantes serviços à comunidade”. Ele disse que apesar da praça já ter nome, a lei permite a alteração de denominação em locais que não têm nome de pessoas, caso da Praça dos Correios.
Voluntários se manifestam
O grupo de voluntários da Associação Amigos da Vida, responsável pela Praça dos Correios, fez uma reunião nesta sexta-feira pra discutir o projeto de mudança no nome. “Nós estamos achando que é uma ação de promoção do vereador e que não bate realmente com a nossa ideia de manter viva a memória dos Correios”, comentou a voluntária Ligiane Finardi.
Ela ressaltou que a estrutura de ferro no local está lembrando a fachada do antigo prédio e o nome faz referência aos Correios. “A gente quis botar esse nome para referenciar o prédio, e agora querem mudar o nome. Então, para nós, [o vereador] está indo totalmente contra”, completou.
A voluntária ainda destacou o trabalho da comunidade em prol da praça ao longo dos últimos anos. “Teve toda a movimentação que foi feita desde a demolição – que a gente não queria que acontecesse – depois todo o resgate do espaço, pra não ser transformado em um estacionamento ou em um prédio público. Tudo isso a gente fez durante quatro anos e agora alguém quer dar o nome como se fosse um feito”, critica.
Homenagem a prédio histórico demolido
A Praça dos Correios foi adotada pela comunidade com esse nome após o antigo prédio dos Correios, que existia no local, ser demolido pela prefeitura em 2019, em ação criticada por não preservar a construção histórica. O município alegou que a estrutura estava comprometida devido às invasões, furtos e falta de manutenção. Nem a fachada icônica foi preservada na demolição, que aconteceu num fim de semana e sem aviso prévio.
Após a limpeza do terreno, a própria comunidade assumiu os cuidados com a área por meio de voluntários e de uma vaquinha on-line, enquanto a prefeitura ponderava se o local seria um estacionamento ou um prédio para abrigar secretarias do município. Na época, a vizinhança e voluntários fizeram jardins e hortas no local que passsou a ser muito frequentado e elogiado pela comunidade. Após reuniões com o grupo, o prefeito Volnei Morastoni (MDB) passou a apoiar o projeto. Atualmente, a praça passa por obras de revitalização bancadas pelo município. O local terá área pra eventos, parquinho, pet place, passarela, horta e fonte interativa, além de uma estrutura metálica construída no formato do antigo prédio dos Correios, justamente como um memorial.
Área foi do abandono completo à revitalização
A história da Praça dos Correios remonta a 1940, quando o município doou o terreno à Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) para construção da agência dos Correios. A doação foi oficializada em 22 de outubro de 1940, o prédio foi inaugurado em 1943 e a agência funcionou até maio de 2015 no local.
Após a mudança da agência para outro endereço, o local ficou abandonado e foi alvo de depredação e invasões, se tornando abrigo para moradores de rua e usuários de drogas. Denúncias e reclamações contra a situação não faltaram. Desde 2017, a prefeitura buscava uma solução junto aos Correios até que, em 2019, a procuradoria entrou com uma ação civil pública para tentar reverter a posse do terreno que era federal.
A justiça federal aceitou o entendimento do município de que, com o fechamento da agência, deixou de existir a finalidade da doação da área ao governo federal. Na época, a empresa pretendia vender o imóvel para a iniciativa privada, mas antes a justiça revogou a doação e o imóvel foi revertido para o município.
Após as demolições ainda em 2019, começou a ser discutido um projeto para o local. Voluntários da comunidade passaram a cuidar da área, criando uma horta comunitária e um movimento pra que a o espaço fosse uma área verde e de lazer. Com o aval do prefeito, a praça foi incluída no projeto de revitalização da Hercílio Luz. A entrega das obras é prevista para maio.
Fundadores são contra “promoção pessoal”
O grupo de voluntários da Associação Amigos da Vida, responsável pela criação da Praça dos Correios, fez uma reunião na última sexta-feira pra discutir o projeto de mudança de nome da praça dos Correios. “Nós estamos achando que é uma ação de promoção do vereador e que não bate com a nossa ideia de manter viva a memória da construção coletiva do espaço que já foi o prédio dos Correios”, comentou a voluntária Ligiane Finardi.
“O nome surgiu para referenciar o prédio que foi derrubado, e agora querem mudar o nome que já foi escolhido e votado pela câmara. Isso está indo totalmente contra o ideal da praça”, completou. Ligiane ainda destacou o trabalho voluntário da comunidade em prol do espaço quando ele ainda não era considerado praça. “Teve toda a movimentação comunitária que foi feita desde a demolição – da fachada histórica dos Correios – depois todo o resgate do espaço pra não ser transformado em um estacionamento ou num prédio. Tudo isso a gente fez durante quatro anos e agora o vereador quer dar um nome pra homenagear alguém como se isso fosse o feito”, critica.
O agrônomo aposentado Juarez Müller, morador do centro, foi o primeiro a iniciar o trabalho nada glamuroso de carregar barro, pedra e depois plantar a grama e as mudas de árvores nativas que são a marca registrada do espaço comunitário que mudou a vizinhança. Juarez, assim como os voluntários, não só doou o tempo e a força de trabalho, como ajudou a pagar a conta das mudas de ervas, de grama e de árvores nativas. Na época, os voluntários dividiam os custos e depois surgiu a ideia de uma vaquinha on line.
Juarez orientava pessoalmente os voluntários e coordenava a equipe que construiu uma grande horta comunitária e um gramado que mudou a cara do centro. “A Praça dos Correios foi chamada assim pelos voluntários desde o início e depois o nome foi oficializado através de projeto de lei aprovado pela câmara nessa mesma legislatura. O espaço só existe pelo empenho e atuação da comunidade. Se não houvesse essa participação popular não teríamos um espaço nobre para as pessoas e para nossos irmãos alados e de quatro patas. Teríamos apenas mais um prédio privilegiando a especulação imobiliária em detrimento da vida”, analisa Juarez.
Ele frisa que o nome “Correios” foi uma homenagem ao prédio histórico que foi demolido numa ação que revoltou a comunidade na época.
“A Praça dos Correios é uma homenagem ao espaço ocupado pelos Correios desde a década de 1940. Esse espaço teve uma participação importante na história da nossa cidade. Nesse espaço ocorria uma feira um ponto de encontro dos habitantes. Nas cercanias funcionava a Padaria Estrela e o Colégio Salesiano [ativo até hoje]”, recorda Juarez.
Para o agrônomo aposentado, a proposta de mudança desrespeita a comunidade e o próprio legislativo. “É equivocado, pois desrespeita a comunidade e a própria CVI que já aprovou o nome "Praça dos Correios". Parece ser apenas uma iniciativa oportunista que visa a promoção pessoal e política de alguém que ‘descobriu’ a Praça dos Correios quando tudo estava pronto. Simplesmente lamentável”, desabafa Juarez.
O publicitário Alex Stein, que também foi um dos primeiros voluntários a atuar na praça na época em que ela era apenas um projeto, chamou a proposta de “demagoga”. “O vereador tenta surfar na onda no momento em que a praça está praticamente pronta”, analisa Alex.
O publicitário lembra que na época do projeto de a comunidade se apropriar do terreno abandonado pra construir um espaço coletivo, não houve apoio formal de vereadores. “Nossa luta foi para que o espaço virasse um ponto verde na cidade. A gente conseguiu com o apoio e o trabalho da população. Nada mais justo que deixem o nome da construção histórica, Praça dos Correios, escolha que já foi votada lá atrás pela câmara”, pondera.
“Se quiserem fazer mais uma homenagem ao falecido senhor Konder Reis, que façam a homenagem num outro local. Por respeito às opiniões das pessoas que trabalharam ali, nada mais justo que ela mantenha-se como a Praça dos Correios”, completa o voluntário.
Vereador recebeu proposta de grupo político
A proposta do vereador foi validada como projeto de lei e aguarda a apresentação e votação em plenário. Ao DIARINHO, o vereador Rubens justificou que a ideia não partiu dele. Entre os apoiadores estão o ex-prefeito Amilcar Gazaniga, o ex-presidente da ACII, Odemari Ferrari, e o historiador Edison D’Ávila. “Eu, na função de vereador que atendo a todos, fui solicitado pra que fosse postado o projeto. Não foi uma ideia minha, foi um pedido de um grupo de pessoas da comunidade”, justificou.
O projeto também teve o apoio do Lions Clube Itajaí Verde Vale que, em ofício em janeiro, sugeriu a mudança de nome para Praça Governador Antônio Carlos Konder Reis. “Nossa manifestação é que seja feita esta justa homenagem ao ilustre itajaiense que tão bem representou Itajaí e SC no cenário nacional”, diz o documento, assinado pelo presidente Marcos Roberto Imai.