As cavernas são atrativos “turísticos” sobre um mundo desconhecido, muitas vezes improvável, cheio de túneis, água fria. É uma área escura, com existências incomuns, sem sol. Ambiente pouco arejado, frio, causa espanto por qualquer movimento e barulho e nos revela inseguros. Ali nos sentimos vulneráveis, pequenos, sem o controle remoto ilusório da vida alçada pelos sabores do querer, dos desejos, dos prazeres e do poder.
Sem o controle da própria vida, temos medo de entender as cavernas e procuramos “instintos” de autopreservação. Ao mesmo tempo, a liberdade de “sair” da caverna que nos afugenta é uma das ofertas mais difíceis. A fuga da caverna é a procura do autoconhecimento como meio para viver com respeito. Entender as coisas pela “luz do sol” é procurar evitar as projeções das sombras que a saída da caverna provoca. Ainda que a realidade não nos seja imediatamente acessível, ainda que não possamos ter consciência direta do mundo, é preciso se voltar para as saídas das cavernas.
“Despertar” para a realidade é como o grito primeiro de um recém-nascido, logo um esforço de autoafirmação de sua própria existência. Dependente dos outros, como sempre somos [vivemos em grupos e falamos uns com os outros], recorremos aos símbolos para intermediar o mundo exterior com o nosso mundo interior.
Na maioria dos casos tentamos retardar o despertar para a realidade porque ela nos deixa insatisfeitos. Como a realidade é externa às nossas cavernas uterinas, e não cabe num copo para ser bebida, procuramos nos refugiar em nosso mundo interno que desconhecemos e tentamos transformar os outros e seus mundos em preferências pessoais. Como ato de autoproteção contra a realidade, nos escondemos em cantos escuros e frios, e nos assustamos quando quaisquer barulhos possam provocar nossos medos.
Gritamos contra os animais que habitam nossa própria escuridão, tememos por desconhecê-los, temos pânico por parecerem incontroláveis, ficamos apreensivos quando tudo fica em silêncio absoluto, entramos em estado de terror e agressividade quando sentimos sua aproximação. Perdemos o controle e apresentamos nossos instintos mais primitivos de agressividade e violência para defendermo-nos de nossa própria escuridão e obscuridades de nossa forma de ser.
As metáforas e as formas simbólicas que usamos para sair de nossas cavernas internas mostram nossa história, registram nossa trajetória, revelam nossa formação, destacam nossos absurdos, dinamizam nossos medos e revigoram nossas conquistas. Não existem lugares de estada permanente para a vida. Desde o nascimento a realidade é um rompimento, antagonismo entre a retirada de um ambiente e a saída para outro.
Como seres da realidade, desse rio caudaloso, irrompemos entre a saída para a “luz” e a profundeza escura do fundo da caverna. De certa forma nos sentimos protegidos nas cavernas diante das margens de um novo mundo. Sem pretender conquistá-lo, sem subornar sua potência vital e maior do que qualquer ser, sem negligenciar sua existência dura e frutada em insatisfações, melhor é receber do sol sua energia. Libertar-se não é viver livre, mas viver para compreender o que existe fora de nós.
Viver é um comportamento; respeito é um comportamento. Comportamento para a inteligência e conhecimento, para a vida com o que nos é estranho, para afastar os medos do que somos e os delírios de força e poder. As pessoas e o mundo no qual aportamos e que não pode ser determinado com exatidão, fazem parte da arte do comportamento da vida humana. Gritar na floresta é o pior sinal para garantir a própria vida.