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A morte e as mortes de Hugo Chaves


(...) Pensando em escrever sobre Hugo Chávez, mas sem cair nas obviedades, pois, para mim, a sua morte não o torna maior ou melhor, muito menos menor ou pior, ele foi o que foi, é o que é, de acordo com a apreciação que possa fazer de sua figura histórica. Aliás, ele já era uma figura histórica, em vida, não precisou morrer para sê-lo. Mais ainda, erros tolos como “morre o homem, nasce o mito” é típico de quem nem conhece o homem, menos ainda sobre mito, mitologema ou formação de heróis.

A morte é apenas uma parte do rito do homem ou do herói, seus atos são em vida, seu reconhecimento se dará em vida, não em morte. Sobre esta questão, tão ampla e complexa, temos vários escritos; para um entendimento melhor sobre o que são os heróis, o texto “A questão do Herói – Grécia sopra sobre nós” responde melhor. Apenas para localizar, a questão particular da morte, no contexto do herói, é seu último ato, não que ele saia da vida para se tornar mito, ele já é mito, aliás, suas exéquias são doloridas, como o descrevi num artigo:

“Se o herói tem um nascimento difícil e complicado; se toda a sua existência terrena é um desfile de viagens, de arrojo, de lutas, de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimentos, o último ato de seu drama, a morte, se constitui no ápice de seu pathos, de sua “prova” final: a morte do herói ou é traumática e violenta ou o surpreende em absoluta solidão.

A imensa maioria dos heróis morre de forma trágica, como a completar um ciclo, que desde o nascimento até seu fechamento seus feitos são dolorosos e marcantes. Uns se matam, como Ájax Telamônio, Hêmon, Antígona, Jocasta, Fedra, Egeu. A guerra, as justas e as vinganças são as grandes ceifadoras. Basta abrir a Ilíada e o final da Odisséia, que se passa a nadar num mar de sangue.”

Hugo Chávez é um herói de seu povo, um homem que ousou enfrentar as adversidade de seu tempo. Do meu ponto de vista, ele foi um líder nacionalista e patriota, preocupado com seu povo, em particular os mais simples e pobres. Desconfio que não tivesse clareza ideológica ou formação maior marxista, mas tinha um sentido prático e concreto do que precisava ser feito e fez, na medida de suas forças e de seus enfrentamentos. Chávez não refugou ou contemporizou no propósito de aproximar a riqueza imensa do seu país aos mais necessitados, transformando a dura realidade de séculos.

Interessante ler as críticas que lhe fazem, de que usou o preço do petróleo e a estatal PDVSA para ser “populista”, de usar o dinheiro para reduzir a miséria e o analfabetismo. Ora, nada se diz de quando esta mesma estatal favorecia uma rica casta de burocratas da empresa e do Estado, sem jamais usar a riqueza para melhorar a situação do país. Esta inversão de prioridades é o maior e mais ousado legado de Chávez.

Os índices sociais da Venezuela mudaram radicalmente durante o seu mandato. Se o dinheiro saiu da PDVSA e do petróleo, muito que bem, o terceiro país mais rico em petróleo no mundo não poderia viver uma situação tão contraditória, com imensas favelas em Caracas e condomínios exclusivos às custas desta mesma riqueza. É fato também que, durante todos estes anos, por diversas vezes os EUA e seus aliados internos tentaram tirar, à força, Chávez do poder, sem justificativa, afinal, havia eleições em todo o país, foram 14 pleitos e referendos desde 1998.

Minha visão sobre Chávez é de respeito ao que se propôs, mas ao mesmo tempo de crítica de não ter preparado sua saída, da busca incessante em se manter, o que, naturalmente, dá argumentos aos raivosos, de que não há democracia no país. Neste aspecto, Lula, aqui no Brasil, é referência, soube o seu limite, poderia intentar mudar a Constituição e se reeleger mais vezes; preferiu abrir a agenda para os novos nomes, para o amadurecimento de um processo coletivo, não individual.

As mortes de Chávez, foram tantas as desejadas, e torcidas organizadas na mídia brasileira e mundial o mataram tantas vezes, e tantas vezes renasceu. Neste particular, a cobertura odiosa da Veja tem um mérito, foram boçais, mas coerentes com seus ódios. Passo os olhos nos diversos jornais, uma falsa ideia de equilíbrio, quando lhe devotaram o mesmo ódio daquela “revistinha” canalha, mas a morte parece ter o dom de suavizar, ou um certo remorso de falar o que se pensa. Assim como do outro lado, um oco endeusamento, que não contribui para um balanço justo e franco com aquele que partiu.

Foi embora um grande personagem, com acertos e defeitos, mas um homem do seu tempo, viveu longamente sua breve história, pois morre ao 58 anos, o que hoje é pouco, mas agora é cuidar para que seu legado e luta não tenham sido em vão. Para frente, Venezuela, para frente com sua rebeldia e força. Simón Bolívar e Chávez, presentes.


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