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O menino que soltava lua
Era uma vez um menino que tinha poderes mágicos. Ninguém compreendia seus superpoderes que envolviam os quatro elementos: a água, o ar, a terra e o fogo. Tinha amiguinhos invisíveis e falava com eles. Os adultos achavam que eles eram muito presentes. Crianças sós costumam criar amigos imaginários. Mas ele não era só. Tinha irmãos e companhia o tempo todo.
O menino poderoso crescia, e mesmo tendo crianças em volta, seus amiguinhos continuavam aparecendo. Traziam boas novas e não o atrapalhavam tanto. Eram companheiros e o acompanhavam por boa parte do caminho. Na escola saía-se bem, em casa era inquieto, fazendo travessuras e conversando com os fantasminhas. Nisso, era diferente dos irmãos que não tinham essa habilidade. Zelosos, os pais o levaram ao psiquiatra, mas receoso de perder essa capacidade de ver, compreender e relacionar-se com o além, o menino mágico cuspia as pílulas receitadas. Rejeitou o tratamento, e por nada no mundo queria perder essa capacidade que poucos compreendiam.
Mas, assim como o menino mágico lamenta que seus filhos venham a crescer, ele tornou-se adulto e adquiriu novos dons. Recebia mensagens do outro mundo e orientava pessoas. Estudou, leu muito, fez faculdade, mestrado, enveredou por algumas profissões paralelas, apenas por diversão. Alegre, engraçado, dramático e de gestual amplo, foi o rei da festa, o centro das atenções de amigos e aduladores. Trabalhando desde adolescente, construiu praticamente um império, se fez rico, mudou a paisagem, deu festas, contratou cantores famosos para baile particular, correu mundo, namorou as mais bonitas mulheres, gastou a rodo, se realizou em todos os aspectos, sendo muito feliz.
Opinou sobre tudo com acidez e coragem, angariou invejosos e inimigos, confiou demais, acertou como também errou, e viu seu mundo praticamente ruir. Embora desnorteado, a princípio tratou de buscar outro rumo. Enquanto a realidade anterior sucumbia, mesmo que ainda possa em parte ser resgatada, encontrou o paraíso. Ou melhor, tratou de construí-lo com todo o dinamismo que lhe é característico. Não tem preguiça. Neste novo ambiente, fez amigos sinceros, pois valoriza as pessoas, e estas lhe mostram genuíno apreço. Começou do zero, contou moedas, aprendeu a fazer comida, a andar sem documento, girar por aí de chinelo e bicicleta, entendendo melhor seu papel no mundo. Melancolia ainda o assalta, mas concretiza novos sonhos sentindo o sol no rosto, a suave brisa e a liberdade de quem jogou fora velhos preconceitos, sem adquirir outros novos.
Não largou os amiguinhos de outrora, que ainda lhe mandam recados através de poemas que funcionaram a princípio como uma catarse e, desde que melhorou, são registrados para seu deleite. Mostra apenas para pessoas escolhidas. Ainda assim, faz da sua vida anterior ferramenta para ajudar crianças em creches, e não se importa, de tempos em tempos, em voltar à origem para trabalhar apoiando e fazendo sopa para elas. Quantos se preocupam com quem não tem nada? Os bons e aqueles que viram duas realidades, a fartura e a escassez.
No seu novo mundo, as estradinhas para o norte são fofas e cobertas de areia branca, têm o braço de mar e casinholas, em boa parte amarelas, enfeitando o caminho com suas flores. A bela paisagem ganha mais cor pela plasticidade das músicas que se espalham mato adentro, durante o passeio. E para o sul, novos e encantadores cenários. Os sensíveis veem mais do que está lá. Abraçam com encantamento cada animal e vegetal visto, além das construções peculiares como antigas igrejinhas, pontes e fazendas coloniais. Há maravilhas por todos os lados, construídas com a força da alegria e da felicidade de quem traz festa no coração embolada com uma tristeza que insiste em não ir embora.
O mar está diante dos seus olhos. O coqueiral ronda as suas costas, e sua adorável cabana, o seu refúgio, está a duas quadras. O vento leste sopra trazendo um friozinho, que arrepia a pele bronzeada. De súbito, uma lua pálida, quarto crescente e tímida aparece lá no alto, sobre o mar esverdeado, ofuscante pelo sol do meio-dia. Ao vê-la tão serena, doce e hesitante, o homem fala convicto: em dias especiais eu solto lua. Empino-a feito papagaio com esta corda aqui. E não faço isso para todo mundo não, apenas para quem eu gosto muito.