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Os rolezinhos causam vertigem na mídia (PARTE I)


Milan Kundera, em ‘A insustentável leveza do ser’, talvez tenha sido quem melhor descreveu a sensação de vertigem como uma realidade social, nos anos 1980. “O que é vertigem? Medo de cair? Mas por que temos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada sólida? Vertigem não é o medo de cair. É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos, terrorizados.”

Se, para o conterrâneo de Kafka, a experiência comunista na República Tcheca o fez perceber tanto quanto Marx – “que tudo que é sólido se desmancha no ar” –, os nossos acontecimentos recentes, desde os protestos de junho de 2013 aos rolezinhos, mostram que a dinâmica capitalista nunca conseguiu manter os territórios demarcados; parece que a corte invisível da democracia perde controle. Não porque os rolezinhos sejam algo novo, mas há uma vertigem social que os fez virar notícia, ou seja, é um preconceito de classe que aflorou.

A grande mídia ainda se esforça, aterrorizada, para combater a perda de poder na esfera pública. Qual a imagem que mais vimos nos protestos de junho do ano passado ou nos rolezinhos? Não seriam imagens para reforçar o sentido de vandalismo e ódio? O comentarista do jornal da Globo, Arnaldo Jabor, se referiu ao Movimento Passe Livre, que só se viu tanto ódio “quando a organização criminosa de São Paulo queimou dezena de ônibus”.

A mídia conservadora vive aterrorizada. É evidente que, quando se tratam de concessões públicas, como no rádio e na TV, a lógica é facilmente aceita, mas se deve pensar em todos os casos, já que o fortalecimento das mídias digitais podem representar queda. Voltemos à literatura de Kundera: “Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem” .

Uma frase sobre uma imagem que circula nas redes sociais é um bom exemplo: “Toda vez que o capitalismo se sente ameaçado, ele solta o fascismo para passear.” Ora, usam-se os mesmos métodos fascistas, o de não permitir a existência de outra forma de pensamento, de ordenamento das coisas, e o que parece ser seu oposto – o fascismo, o nazismo e o comunismo – são apenas ferramentas do próprio capitalismo para implantar o terror social.

Quem acredita hoje na hipótese da revolução? Ao contrário, o medo não é oriundo da lógica falsamente levantada por seguimentos conservadores da sociedade. O medo é justamente da “revolta” pelo direito de participar dos “encantos” do próprio capitalismo. Ele não advém do “diabo vermelho”, como explorava a literatura anticomunista. A revolta (o movimento de subverter o lugar que discursivamente foi atribuído aos moradores de periferias) parece ser dos que querem integrar-se à sociedade de consumo, nem que seja somente para tirar fotos nos lugares bacanas. E não há símbolo maior do que o shopping.

A psicanalista Maria Rita Kehl interpretou bem esse fenômeno, em declaração à Folha de S. Paulo (17/01): “Toda inclusão econômica exige, em um segundo momento, o reconhecimento da pertença a uma nova classe social. É claro que os jovens da periferia não pertencem à classe que compra nos shoppings, mas chegaram perto dela.” É o mesmo que dizer que o shopping já faz parte do horizonte desses jovens de periferia, mas a conquista, enquanto se sentir pertencente desse espaço, só será possível no embate. Pertencimento é alteridade.

Por outro lado, a reação raivosa do colunista da Veja Reinaldo Azevedo e contra Maria Rita, tentando desqualificar seu discurso por ser, como ele mesmo afirmou, “petista militante”, expressa muito a tese de que a comunicação é, quase sempre, motivada por sintomas. É evidente que jovens da periferia fazem também suas prestações nos shoppings, mas na medida em que o poder aquisitivo melhora, a barreira silenciosa do preconceito, dos lugares subjetivamente demarcados, precisa ser enfrentada e superada. Enquanto Maria Rita manifestou sua opinião em um parágrafo, Azevedo discorre longamente sua artilharia conservadora no que de fato é o problema para este segmento da sociedade – o PT.

Os rolezinhos não poderiam ser pensados como uma subversão pós-moderna do “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!”, para o “Jovens de todo o país, ocupemos os shoppings para gozar com a sociedade de consumo”. Agora são os jovens que se unem a partir das redes sociais da internet para dar um rolê no shopping, “ouvir funk ostentação” e, se possível, “comer no McDonalds e ir ao cinema”. O problema é que eles são apenas “a turma da algazarra”. Este é apenas um dos sentidos rotulados pela grande mídia.

* Publicado no portal Observatório da Imprensa, n.783


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