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O direito à manifestação vem sendo colocado como algo lúdico
Estamos a quase um mês de completar 50 anos do golpe militar, que aconteceu em 31 de março de 1964, num período de ditadura que foi marcado pela cassação de direitos civis, censura à imprensa, repressão violenta das manifestações populares, assassinatos e torturas. Vivemos hoje em um regime democrático regido pela Constituição Federal de 1988, que surgiu como uma expiação, um exorcismo a um contexto restrito de Direitos Fundamentais do período anterior. Ela abriga uma série de direitos fundamentais, conquistas da sociedade, além de garantir um conjunto de instrumentos jurídicos para a defesa de direitos. Trata-se do meio pelo qual a sociedade civil tem condições de exercitar os seus direitos, dentre eles, o de manifestação, previsto no artigo quinto inciso XVI da vigente Constituição, afirmando que todos têm direito a reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização.
O que se nota é que a sociedade brasileira apresenta uma pauta de demandas de natureza diversa que, a partir de julho do ano passado, credenciou as multidões a militar em favor da concretização dos direitos sociais fundamentais. Parece-nos que essa vontade de exigir estava represada e, com a ajuda das redes sociais, acabou por por explodir nas ruas. Acreditamos que essa garotada ficou por muito tempo sem uma bandeira de luta. E uma leitura das manifestações poderia sugerir, dentre outras, a situação de uma criança brincando com uma arma. Daí, então, achar que os manifestantes podem tudo como, por exemplo, fechar a avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, a qualquer hora e sempre que desejarem. O ponto está no fato de que a sua liberdade de querer se reunir bate com a minha de ir e vir. Infelizmente, o direito à manifestação vem sendo colocado como algo lúdico, uma espécie de brincadeira.
Se de um lado temos muito a comemorar porque a democracia nos reintroduziu ao contexto de liberdade, por outro estamos sofrendo com os excessos que podem acabar legitimando as práticas repressivas das autoridades públicas. Excessos esses que culminaram com a morte do cinegrafista que estava trabalhando no local de uma manifestação. É mais do que urgente a necessidade de se buscar uma medida certa para exposição das demandas sociais e as exacerbações, tanto de parte dos manifestantes quanto das autoridades públicas, que não devem induzir a um campo de guerra. Tais exageros criam um clima de medo. Neste momento, é preciso estabelecer um quadro de processamento de demandas sociais seja por parte do governo, dos manifestantes e da sociedade como um todo.
*Ana Luiza Couto é professora de Direito Constitucional da Faculdade Mackenzie Rio