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Democracia nas veias


Quando vivíamos na ditadura militar, o Brasil era um dos países mais ci¬tados nos relatos da Sociedade Intera-mericana de Imprensa (SIP) sobre as violências cometidas contra a liberda¬de de imprensa nas Américas. Essas denúncias eram umas das formas de o mundo tomar conhecimento das arbitrariedades que aconteciam em nosso país enquanto aqui vigorava a mais rigorosa censura. Com mais de 1300 publicações filiadas (jornais, re-vistas e sites), a SIP é uma referência internacional na defesa da liberdade de imprensa nos continentes ameri-canos e sempre foi muito ativa nas denúncias contra o impedimento ao livre exercício do jornalismo.

Relatórios da SIP do final dos 60 e da década de 70 mostravam um quadro assustador vigorando no Brasil: criação de uma Lei de Imprensa que previa até a prisão de jornalistas e fechamento de jornais; criação da Lei de Segurança Nacional, também usada contra jornais e jornalistas, que chegaram a ser julgados em tribunais militares e presos; estabelecimento da censura prévia; e a edição do famigerado Ato Institucional nº 5, uma lei acima de todas as leis, que dava aos ditadores de plantão o direito de fazerem o que bem entendiam contra todos os cidadãos.

Ordens por escrito ou simplesmente por telefone, vindas da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, de-terminavam o que os jornais podiam ou não publicar. Em muitos jornais, os censores iam diariamente às redações, verificar as edições antes de serem impressas. Uma situação medieval, obscurantista, com os gover¬nos impondo implacável tutela às in¬formações e opiniões que chegavam aos cidadãos. Enfim, vivíamos sob uma negra ditadura, que, felizmente, ficou para trás – com a contribuição da brava resistência dos jornais, diga-se de passagem.

O último relatório da SIP sobre a si¬tuação da liberdade de imprensa nas Américas, divulgado há poucas sema-nas, mostra o quanto o caso brasilei¬ro evoluiu de lá para cá. No capítulo referente ao Brasil, o relatório destaca iniciativas governamentais com as¬pectos preocupantes para a liberda¬de de imprensa, como a Conferência Nacional de Comunicação e o Progra¬ma Nacional de Direitos Humanos. Oriundas de setores do governo que defendem o chamado “controle so¬cial da mídia”, são ainda propostas, embora devam ser permanentemente monitorados e combatidos.

O relatório cita também a censu¬ra sofrida pelo jornal “O Estado de S.Paulo” em relação às informações sobre um suposto envolvimento do empresário Fernando Sarney em epi¬sódio de corrupção. É censura impos¬ta por decisão do Poder Judiciário, assim como tem ocorrido com outros veículos de comunicação, que revolta e deve ser condenada, pois afronta princípios constitucionais. Mas mui¬to diferente da censura sistemática e institucionalizada da época em que violências contra a mídia eram gene¬ralizadas.

A verdade é que o Brasil tem hoje uma realidade inteiramente diversa de outras nações latino-americanas, como se pode verificar pelos relató¬rios da SIP. Na Venezuela, houve fe¬chamento de emissoras de televisão e de rádio e até a prisão do proprietário do canal de TV a cabo Globovisión, Guillermo Zuloaga. Na Bolívia, o governo estimula a população a se voltar contra os meios de comunicação privados e os jornalistas, o que já resultou no assassinato de um repórter. Na Argentina, o governo impõe pressões contra a fábrica privada de papel imprensa, estimula o impedimento da distribuição de jornais por centrais sindicais e tenta intimidar jornais com a invasão de suas reda¬ções por fiscais da Receita. Sem falar da ditadura veterana de Cuba, que se despedaça a cada dia.

Uma mudança importante, contudo, é que na grande maioria dos países que estão sob o foco da SIP a opinião pública tem acesso às informações e pode tomar conhecimento das anormalidades das iniciativas autoritárias. A veiculação de informações é comparativamente muito maior do que foi nos anos de chumbo do autoritarismo na América Latina, e a pressão internacional por mais liberdade é uma realidade. A falta de liberdades democráticas não pode ser considerada “normal”.

Há uma famosa máxima de Churchill, o grande estadista inglês, que diz: “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Nós, brasileiros, apesar de alguns percalços que serão sempre combatidos, estamos eviden¬temente cada vez mais convencidos das qualidades dessa forma de gover¬no imperfeita, mas insubstituível. Os níveis de liberdade de imprensa em nosso país relatados pela SIP são um excelente indicador do quanto o Brasil já tem nas veias os valores demo¬cráticos. Ainda assim, é nosso dever continuar trabalhando, junto com a SIP, para que nosso índice seja zero.


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