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Pra não dizer que não falei de bola
Entrei no clima da copa. Não a ponto de roer as unhas no lance de perigo ou de sentir o coração acelerar na hora do hino nacional. E menos ainda no sentido de entrar no coro desaforado contra a presidenta.
Entrei no clima, mas não para falar da copa. Já bastam os comentaristas esportivos para falar abobrinhas. Falo do futebol de ontem, na minha cidade do interior. Lá nasceu a paixão febril do torcedor vascaíno sou do Vasco, como Drummond e Paulinho da Viola e lá nasceu o amor, o fascínio pela arte e a poesia que rolam nos campos da várzea e nas modernas arenas do jogo. Cheguei a sonhar, um dia, com a carreira de jogador de futebol. Mas, infelizmente, a bola e eu nunca fizemos uma dupla que combinasse.
Nas ruas vazias em dias de jogo da seleção, por alguma razão me vem à lembrança o goleiro Pedrinho. Vejam que já começa errado, um goleiro no diminutivo. Mas como chamá-lo de outro jeito, se ele media 1,67m? Foi o menor goleiro que eu vi atuar debaixo dos três paus. E como se não bastasse a pouca altura, era meio gordinho.
Diziam os gozadores da cidade que Pedrinho acabou no gol com tão pouca altura porque na linha ele chutava com os dois pés mal, com os dois pés. Só lhe restou o gol, onde ninguém queria jogar. O fato é que o Atlético se tornou o único time do mundo onde o jogador mais baixo do time era o goleiro.
Quando o novo técnico foi apresentado aos jogadores, e viu a altura de Pedrinho, estrilou: só assumiria se tivesse um goleiro com altura de goleiro. E veio, do interior do Paraná, um crioulo desculpem, um afrodescendente de 1,87m de altura, o Águia. Pedrinho foi para a reserva de Águia, o Príncipe Etíope, como o apelidou, de forma meio fantasiosa, o narrador de futebol da rádio local. Pedrinho, para o mesmo narrador, era o Pequeno Notável, como Carmen Miranda era a Pequena Notável.
Depois de duas derrotas seguidas, e como já acontecia desde aquela época, mandaram o treinador de volta para o seu aconchego, no litoral. O maior cartola do clube, Gelson Bauer, foi um precursor do estilo deixa-que-eu-chuto do Eurico Miranda. Quando o treinador era demitido, ele assumia o comando do futebol. Pois esse cartola, cheio de manhas e artimanhas, devolveu a camisa um (para as companheiras mulheres que, em geral, não sabem: a camisa número um é a do goleiro), o Pedrinho. E fez do negrão quis dizer do afrodescendente Águia o camisa nove, o centroavante do time.
Todo iniciado sabe que futebol não tem lógica e a mudança deu certo. O novo centroavante, com a altura e a impulsão que tinha, era mortal no jogo aéreo. No ataque, fazia gols. E quando o time era atacado, em escanteios e bolas paradas, ele voltava para ajudar, tirava tudo pelo alto, poupando Pedrinho do vexame de bater roupa, de sair em falso, com seus bracinhos de jacaré.
Águia, o Príncipe Etíope é uma figurinha do meu álbum, jogador completo: veio para ser goleiro, era zagueiro nas bolas altas na área do seu time, e com a camisa 9 marcava gol atrás de gol, de cabeça. O Atlético, naquele ano glorioso, voltou a ganhar o campeonato da cidade.
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