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Tempestade de verão
Cedo, antes das nove, o termômetro marca 32 graus. Pequenas ondas de vapor sobem do chão e embaçam a vista. O suor verte de todos os poros. Procura-se uma sombra, uma fonte de água, um refresco. Dá para fritar um ovo no asfalto.
O dia vai se arrastando, lento e sufocante. Os termômetros teimam em subir. Corpos em estado quase febril. No ar pesado existe mais do que pássaros em voo rasante. Só não percebe quem não quer, os distraídos em geral, os esquecidos da vida, os perdidos de amor: está se armando o maior temporal.
No final da tarde a tempestade desaba. O primeiro vento sopra morno, revolto, touro miúra entrando na arena, esbaforindo espuma pelas narinas. A ventania não tem direção, toma um rumo, depois outro, corta para o norte e para o sul, lança rajadas para cima e para baixo, derruba galhos e palmas, forma loucos redemoinhos, bate portas e janelas, uiva nas esquinas, nos becos, nas curvas.
Na praia, o vendaval assusta os banhistas, derruba guarda-sóis mal escorados, levantam voo toalhas, cangas e peças de roupa. Os ambulantes protegem as bancas e carrinhos do seu honrado ganha-pão, pais aflitos socorrem crianças em pânico, alguém ri para disfarçar o pavor, corre gente pobre e gente rica feito barata tonta.
As nuvens densas, escuras, se movem rápidas, quase tocam no chão e abrem as comportas. A água jorra aos cântaros, dança conforme o vento, esguicha as ruas, pequenas correntezas abrem passagem. Os ventos em fúria, as águas do verão, reviram as árvores, açoitam as vidraças, tudo encharcam e levam em arrastão.
Os dragões dos céus rugem. A trovoada estoura os tímpanos, cães vadios, por dever de ofício, latem em resposta. O som dos estrondos, estalos, descargas doem nos ouvidos aturdidos. Se não for hoje, é o aviso de que o dia do juízo final está próximo.
Mais ao fundo, em dança combinada com o ribombo dos trovões, os relâmpagos reluzem e escurecem, em luz e sombra.