Ruth Cardoso
“Saí da maternidade de braços vazios”, lamenta mãe que acusa hospital de negligência na perda de trigêmeas
Mãe aponta falhas no atendimento
Camila Diel [editores@diarinho.com.br]

O sonho de ser mãe de Monique dos Santos, 20 anos, foi interrompido de forma brusca e dolorosa. O que seria o começo de uma nova vida virou dor para a publicitária de Balneário Camboriú. Ela perdeu as trigêmeas Maythê, Eloa e Alana no dia 13 de setembro, após parto prematuro no hospital Ruth Cardoso. A mãe afirma que houve negligência no atendimento e que deixou a unidade sem documentos, orientação ou a chance de se despedir das filhas. “Foi negligência do hospital”, disse.
Monique descobriu a gestação trigemelar no início da gravidez. “Foi um choque, mas também uma alegria enorme. A família inteira se uniu para nos ajudar”, lembra. Por ser hipertensa crônica, foi classificada como paciente de alto risco. “Sempre falaram que, se chegasse a hora, teria que ser cesárea, porque o parto normal colocava minha vida em risco”.
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Mesmo acompanhada em clínica especializada, precisou procurar o Ruth por causa de dores. Voltou para casa com a resposta de que era “normal por serem três” e uma receita de remédio. No sábado, 13 de setembro, as dores pioraram.
Monique foi internada no Ruth Cardoso, recebeu soro, comprimidos para pressão e ouviu da equipe que tentariam “segurar as crianças”. “Avisei que estava com náusea, que ia vomitar. Vomitei e a bolsa estourou. A primeira nasceu viva. O meu esposo viu cortarem o cordão e levarem ela". As outras duas nasceram 10 minutos após. “Primeiro disseram que as três estavam respirando. Depois, que só uma tinha sobrevivido. Mais tarde, um médico entrou quando eu estava sozinha no quarto e disse que nenhuma tinha resistido, que eram fetos”, contou.
Antes da notícia, Monique e o marido pediram várias vezes para ver as meninas. “Só vimos depois, numa sala ao lado, já mortas, cobertas por um pano verde. Nas pulseirinhas estava escrito só G1, G2 e G3. Para eles eram fetos. Para nós, eram nossas filhas, com pezinhos, mãozinhas, cabelinho. Tudo”, narrou.
Ela critica a forma como recebeu a notícia. “Não foi com acolhimento. Faltou humanidade. Não era para um médico chegar quando eu não tinha nenhum familiar e me dizer que minhas três filhas tinham morrido. Eu esperava uma psicóloga, alguém preparado”, alega.
Transferência dolorida
Depois do parto, ainda sangrando e fragilizada, Monique foi levada de cadeira de rodas para a ala da maternidade, junto de mães que embalavam seus bebês. “Entrei ali com os braços vazios, ouvindo choro a noite toda. Eu só chorava também. Foi cruel”, conta. A prática é proibida por lei, que garante a mulheres em situação de perda gestacional espaço separado para resguardar o luto.
Alta rápida
Menos de 24h após o parto, ela recebeu alta. “Saí com 15 dias de atestado dizendo ‘aborto espontâneo’ e uma receita de analgésico. Me deram até anticoncepcional. Não recebi declaração de óbito, não tive documento para registrar ou velar minhas filhas”, diz. Em casa, o sofrimento se multiplicou: “Meu peito encheu de leite, ficou empedrado, doía muito. No PA disseram que não podiam prescrever nada, que era o hospital que deveria ter feito isso. Eu não recebi nenhuma orientação”.
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Os sogros voltaram ao hospital pra cobrar providências. “Foi só aí que conseguimos as declarações de óbito e o velório. A assistência social pagou a cremação. Dias depois chegaram as cinzas. Fizemos uma despedida simples, com balões”, lembra.
No leito, Monique encontrou um recado escrito pela equipe: “Papai e mamãe, estamos brincando com as estrelas”. Ela tatuou os pezinhos das filhas e leva a lembrança no corpo. “É uma dor que não passa. Saí da maternidade com o útero vazio e os braços vazios”.
Monique iniciou acompanhamento psicológico pelo posto de saúde e conseguiu licença-maternidade após a emissão dos papéis. Mas segue sem explicações. “Não sei se tentaram salvar minhas filhas. Nunca disseram se foram para incubadora. Só sei que nasceram vivas. Disseram que a prioridade era me salvar, mas eu teria dado meu lugar para elas.”
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Período “incompatível com a vida fora do útero”, diz hospital
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Em nota oficial, o Ruth Cardoso informou que a gestação de Monique tava em 20 semanas, período considerado “incompatível com a vida fora do útero, mesmo diante dos melhores recursos clínicos disponíveis”. A instituição citou protocolos do Ministério da Saúde e da literatura médica, segundo os quais a viabilidade neonatal é reconhecida entre 22 e 24 semanas, faixa que ainda apresenta baixa sobrevida e alta probabilidade de sequelas.
“Todos os protocolos obstétricos foram rigorosamente seguidos, incluindo medidas para tentar prolongar a gestação e oferecer a melhor assistência possível”, diz a nota. O hospital afirma que não houve erro ou negligência no atendimento, mas um “desfecho de extrema gravidade clínica, biologicamente determinado pela idade gestacional”.
Sobre a alocação de Monique na maternidade, o Ruth esclareceu que a paciente ficou ali porque “é a unidade onde a equipe multiprofissional detém a expertise necessária para este tipo de cuidado imediato”. O hospital ressaltou que ela ficou em quarto compartilhado apenas com uma paciente em tratamento por infecção urinária, e não em ambiente com mães e recém-nascidos.
O comunicado também destacou que havia dois médicos obstetras acompanhando o caso, além de profissionais de psicologia e serviço social. Quanto ao contato com os natimortos, o HRRC declarou que essa possibilidade pode ser ofertada, mas “em determinadas situações pode haver necessidade de postergar o momento, visando preservar a saúde e o bem-estar da mãe”.
Camila Diel
Camila Diel; jornalista no DIARINHO; formada pela Univali, com foco em jornalismo digital e produção de reportagens multimídia.