SANTA CATARINA
Lei que institui o Vale Europeu ignora indígenas da região
Mudança buscou homenagear imigrantes europeus em área marcada por massacre de indígenas
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
![Lideranças Laklãnõ-Xokleng fizeram manifesto contra alteração, mas não foram ouvidos (Foto: Juventude Xokleng)](/fotos/202407/700_668314712ca02.jpg)
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Já tá valendo em Santa Catarina a lei complementar 860/2024 que alterou o nome da Região Metropolitana do Vale do Itajaí para Região Metropolitana do Vale Europeu, sob muitos protestos das comunidades indígenas. A mudança veio de projeto do deputado estadual Egidio Ferrari (PL), aprovado em maio na Assembleia Legislativa (Alesc), sem consulta aos povos originários da região.
Lideranças do povo Laklãnõ-Xokleng chegaram a fazer um manifesto contra a alteração, mas o projeto avançou e os indígenas foram ignorados no processo. O povo se mostrou “profundamente ofendido” que a região onde estão os restos mortais de seus antepassados tivesse um nome que homenageia os “genocidas” que massacraram milhares de indígenas.
A história da colonização de Santa Catarina mostra que a chegada dos imigrantes europeus no estado, precisamente no Vale do Itajaí, gerou muitos ataques e perseguições ao povo Laklãnõ-Xokleng. Os imigrantes passaram a ocupar grande parte da região e os povos originários tiveram que lutar pra se manter dentro do seu território tradicional. Nesse processo, milhares de indígenas foram mortos.
A mudança de nome foi proposta sob a justificativa de homenagear a “forte influência da herança cultural dos colonizadores alemães, italianos, austríacos e poloneses”. O núcleo do agora “Vale Europeu” é formado por Blumenau, Pomerode, Gaspar, Indaial e Timbó. Na região, há aldeias na maioria do povo Laklãnõ, algumas com mais de 100 anos de ocupação após o processo de “pacificação” em 1914, com a criação SPI, hoje Funai.
Referências culturais no lugar de geográficas
Para o deputado Egídio Ferrari, se tratou de mera alteração de nome, considerando que a região já era conhecida como Vale Europeu nos roteiros turísticos do estado. O motivo para o título de “europeu” seria que a maioria das características para representar a região são histórico-culturais e não geográficas, com referência ao rio Itajaí.
Segundo ele, a “grande marca” da região é a influência cultural europeia. “A região tem principalmente forte ascendência italiana e alemã, dentre outras como polonesa, e as pessoas e grupos culturais mantém até hoje as tradições desses países, tanto na língua falada quanto na cultura e gastronomia, caracterizado por suas tradições, valores históricos e colonização bem representativos”, justificou.
No Vale Europeu, a herança cultural alemã se concentra em Pomerode e Blumenau. A italiana, em Rodeio e Nova Trento. Em quase todos os municípios da região, as festas típicas celebram a herança cultural dos colonizadores, entre a Oktoberfest, em Blumenau; a Fenarreco, em Brusque; e Festa do Imigrante, em Timbó.
“Associar uma área aos seus valores sociais, históricos e culturais, em vez de sua localização geográfica, é um recurso bastante utilizado no mundo de hoje”, defendeu o parlamentar. Ele lembrou que a própria associação dos munícipios da região (Amve) já levava o nome proposto.
Para os indígenas, não há sentido na alteração. As lideranças lembraram que, antes de “Vale do Itajaí”, a região era chamada de “Vale dos Bugres”, em referência a seus ocupantes. “Parece que estamos voltando no tempo. E legitimando novas – que são antigas – violências contra os originários destas terras”, criticaram.
Os indígenas não eram contra uma eventual mudança de nome, mas questionaram a falta de consulta aos povos originários, com a discussão de um nome que fosse respeitoso com os indígenas assassinados na região. Ainda hoje, os Laklãnõ-Xokleng sofrem com ataques, como os ligados ao Marco Temporal pra demarcação de terras, e a questão da barragem de José Boiteux, erguida em território indígena e que ameaça as aldeias por falta de manutenção.
Onde fica o Vale Europeu?
São 12 municípios: Apiúna, Ascurra, Benedito Novo, Blumenau, Botuverá, Brusque, Doutor Pedrinho, Gaspar, Guabiruba, Indaial, Ilhota, Luiz Alves, Rio dos Cedros, Rodeio e Timbó. A mudança atualizou a lei de criação das regiões metropolitanas, de 2010. Não houve alteração para os nomes das regiões do Alto Vale do Itajaí e da Foz do Rio Itajaí.