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Ônibus paulistanos em brasa


Queimaram-se criminosamente mais de 20 ônibus na cidade de São Paulo desde junho de 2012. Esta ação, contudo, não se avalia como um ato a mais de vandalismo destituído de lógica social. A queima de ônibus na capital paulista não resulta de uma causa unívoca, tampouco de mera violência. Justificou-se primeiramente como uma expressão de represália de grupos criminosos contra os métodos da ação policial de combate ao narcotráfico.

A queima de ônibus acompanha-se, algumas vezes, de atentados a policiais militares e suas bases de trabalho. A ação pode ser entendida, portanto, como um acerto de contas com a instituição policial que (des)administra a segurança pública no estado de São Paulo. Exceto pelos que injetam mais dinheiro nela para que a segurança seja “ostensiva”, há os que veem esta instituição em crise e a necessidade de que outras políticas públicas (saúde, educação, saneamento, etc.) recebam incentivos no lugar das armas. O problema de um garoto drogado, por exemplo, resolve-se melhor com políticas para a infância e a saúde que as de segurança.

A referida modalidade de ação criminosa passou a ser uma forma de chamar atenção de televidentes para o problema que aflige moradores da periferia, uma vez que este tipo de episódio é um prato cheio para o jornalismo. Há também outras explicações, como a de ser um método de protesto contra a insegurança nos bairros (aumento do número de homicídios, ação mal planejada das forças de segurança pública, falta de segurança para os pedestres). A queima de ônibus do transporte público é um recurso de megafone para grupos da periferia.

A opinião pública tem-se deixado influir por como jornalistas nomeiam os responsáveis pela queima de ônibus: “delinquentes”, “criminosos”, “vândalos”. Em realidade, não deixam de ser, embora se pinte o quadro de que eles praticam crime pelo prazer de estar fora da lei. A conclusão irrefletida de um telespectador é de que os “criminosos” merecem punição. No entanto, este entendimento serviria numa sociedade ideal em que os níveis de criminalidade são baixos, mas não onde o crime por vezes substitui a harmonia em vários bairros.

A vulnerabilidade a este tipo de ação causa terror nos usuários de transporte coletivo. Testemunhas de ações (lamentavelmente) consumadas dizem que os “delinquentes” banham o ônibus com gasolina e usam, em alguns casos, maçarico para atear fogo ao veículo. Identifico uma diferença entre o efeito imediato de absorção da notícia (as chamas, o descontrole, o grito, o pânico) e a reflexão sobre o pouco que se revela dos motivos desta ação criminosa. Um dos efeitos imediatos é que, com a queima de ônibus em São Paulo, os “delinquentes” prejudicam a si mesmos porque eles próprios são os mais interessados em manter a qualidade da frota. E um dos efeitos não imediatos é o que se constrói com relatos não-oficiais.

A queima de ônibus é um recurso que moradores da periferia encontraram de travar uma luta maior contra o descaso de seus bairros e a estratégia obsoleta como a segurança pública reprime formas não-autorizadas de ganhar a vida. Um exemplo destas é o tráfico de drogas por cidadãos mais pobres, cujo negócio começa entre integrantes da cúpula do poder e usa menores como escudo. Dois negócios ilícitos têm prosperado no estado de São Paulo: o tráfico de drogas e a explosão de caixas eletrônicos.

A segurança pública tende a piorar enquanto a mentalidade de seus administradores públicos continuar a de confronto armado contra o “delinquente”, como se se tratasse do inimigo a combater num jogo eletrônico. Por mais que este tipo de jogadores mude de fase e ache que triunfa, o oponente será o mesmo. A fórmula desgastada do “cada um no seu lugar” já não funciona mais no Brasil porque um depende do outro nesse grande sistema.

Em vez desta fórmula, há que ouvir os “delinquentes”, “criminosos” e “vândalos” para tratá-los como cidadãos que reivindicam seus direitos. Só assim deixarão de queimar ônibus sem que as forças de segurança pública tenham que enfrentá-los com uso da violência. O caminho que se abre é amenizar urgentemente o diagnóstico do Brasil como o quarto país mais desigual da América Latina (que só perde para Guatemala, Honduras e Colômbia) segundo relatório do programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos.

Caso contrário, o cenário de segurança pública “ostensiva” e de aparelhamento da polícia que se propõe por administradores públicos de linha dura e por outros que virão vale para qualquer área urbana brasileira: é o de um cadeado a mais na porta de casa.


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