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O velho par de sapatos


Altino acordou e, atrasado para um importante compromisso profissional, correu se vestir. Depois da camisa, gravata, calça e meias, procurava ansiosamente por seus sapatos. Não os achava em lugar algum da casa. Estava tudo fora do lugar: malas para desfazer, closet bagunçado, roupas e calçados espalhados pela casa. Os minutos foram passando e sua ansiedade só aumentava.

Seu compromisso matinal se aproximava e ele não poderia ir sem os seus “sapatos da sorte”, afinal era o par que usava em quase todas as reuniões de grandes negócios, como essa que se avizinhava.

A procura se estende pelo banheiro, quarto de empregada, corredor e embaixo das araras que suspendem os 150 vestidos de sua esposa. E nada! A impaciência toma conta de Altino que estava quase para gritar “Onde estão os meus sapatos?” com uma força que despertaria sua vizinhança inteira.

Faltavam apenas 20 minutos e o deslocamento ao local do compromisso lhe retiraria pelo menos 15 deles, se tivesse sorte de não pegar trânsito.

Ainda procurando, vislumbrou lá, esquecido, no cantinho do quarto, o velho sapato. Não teve dúvidas: hoje será você mesmo! Calçou-os com a rapidez de um leopardo e saiu imediatamente.

Assim que entrou no automóvel começou a suar frio. Pensou em como seria sua apresentação para todas aquelas pessoas importantes sem os seus sapatos estimados. Foi só então que seus olhos, tomaram a direção de seus pés por um segundo antes de dar a partida no automóvel. Viu aquela velha plataforma de couro e borracha que lhe envolviam os pés.

Enquanto dirigia, pensamentos lhe vieram.

Rememorou que havia casado com aquele mesmo velho par de sapatos. Lembrou de sua esposa entrando na igreja e do momento em que, tirando os olhos dela direcionou o olhar aos seus pés murmurando palavras que só ele e o surrado calçado ouviram.

Também lembrou das primeiras reuniões de compromissos profissionais, já depois de casado, em que estavam lá, um dentro do outro, Altino e seu protetor de pés feito em couro. Veio à memória ainda as tantas chuvas que tinham encarado juntos, em que o velho amigo protegeu seus pés das calçadas inundadas da cidade. Ah, quantos momentos! Envelhecemos juntos, pensou Altino.

Ah, e o conforto? Nada como o conforto do velho companheiro. Parecia que ambos tinham sido feitos um para o outro, os pés encaixavam-se naquele espaço sem esforço algum. Afinal, calçados se amoldam aos seus pés da mesma maneira que nos moldamos pelas circunstâncias da vida.

Com remorso lembrou do dia que os abandonara. Havia passado no fim do expediente em frente a uma vitrine em que o novo sapato encantou-o, como um sorvete a uma criança. Não titubeou. Comprou-o e simplesmente substituiu o velho sapato, sem sequer se despedirem, afinal aquele puído par já não condizia com sua nova condição social.

Chegando em frente ao local de seu compromisso, Altino estacionou o carro.

Todos aqueles pensamentos levaram Altino a direcionar o olhar novamente para os pés e, como no dia de seu casamento, murmurar a eles, só que em alto e bom tom: boa sorte para nós!


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