Indústria
Itajaí, capital da pesca industrial, impulsiona a economia azul no Brasil
Santa Catarina segue na liderança da indústria brasileira. Itajaí e Navegantes são polos estratégicos
Ana Zigart [editores@diarinho.com.br]
Itajaí, conhecida como Capital Nacional da Pesca, liderou a produção de pesca industrial em Santa Catarina, que registrou 146 mil toneladas de pescado em 2023. Desse total, Itajaí foi responsável por 57,7 mil toneladas, o que corresponde a 40% da produção estadual. Navegantes também se destaca, com 18,7 mil toneladas, consolidando ambas como referências no setor.
A força da pesca em Itajaí vai além do volume da indústria. A cidade desenvolve práticas que visam minimizar a sobrepesca e garantir a continuidade dos recursos marinhos.
O oceanógrafo Luiz Carlos Matsuda, da Coordenadoria Técnica do Sindicato dos Armadores e das Indústrias de Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), destaca o papel da cidade na economia azul, que promove o uso sustentável dos recursos marinhos e costeiros para impulsionar o crescimento econômico, gerar empregos e melhorar a qualidade de vida, enquanto protege a saúde dos oceanos.
“Itajaí é uma cidade que vive da economia azul. Nosso município se desenvolveu pela pesca, depois tivemos o porto e hoje somos uma referência no mercado náutico, seja na construção naval ou mesmo nas oportunidades relacionadas à navegação de passeio. Fomentar cada vez mais as atividades relacionadas às cadeias produtivas que envolvem o mar e as águas é importante para o desenvolvimento e a economia da cidade e de toda a região”, ressalta Luiz Carlos Matsuda.
A busca por uma pesca mais sustentável é primordial. Segundo Luiz Carlo Matsuda, a sustentabilidade é uma questão de sobrevivência para o setor, que está investindo cada vez mais em pesquisa.
“Entre os anos de 2022 e 2023, realizamos o embarque de observadores científicos na frota industrial catarinense e, neste ano, seguimos com embarques na frota associada. As informações que são levantadas na frota pesqueira de Itajaí são importantes para subsidiar a gestão eficaz e sustentável dos recursos pesqueiros, que nada mais é do que compatibilizar as demandas econômicas e sociais, com um nível de captura das espécies que não extrapole a capacidade de reposição do peixe no mar”, explica o oceanógrafo.
Além disso, a cidade investe em tecnologias para garantir o aproveitamento total do pescado capturado, transformando o que não é utilizado pela indústria de manufatura do pescado em produtos como óleo e ração animal, o que reduz o desperdício.
Entre as práticas sustentáveis adotadas, se destacam o cumprimento rigoroso dos períodos de defeso, o uso de equipamentos que minimizam a captura incidental e o monitoramento 24 horas das embarcações. Aproximadamente 80% das embarcações pesqueiras certificadas do Brasil pertencem à frota de Santa Catarina, evidenciando o comprometimento da região com as normas sanitárias e ambientais.
A tecnologia tem sido aliada no aumento da eficiência e na redução do impacto ambiental. Um exemplo é o Projeto SAT-SAR, financiado pelas indústrias associadas aos Sindipi, Nauterra e Camil, que utiliza imagens de satélite para monitorar os impactos do El Niño e outras mudanças climáticas na biologia da sardinha-verdadeira. Essas imagens ajudam os mestres da pesca a identificar as áreas com maior probabilidade de captura, levando em consideração dados como a temperatura da água.
SC reúne mais de 30% da frota nacional
A pesca é uma das principais atividades econômicas de Santa Catarina, com Itajaí e Navegantes à frente. Com uma frota de 688 embarcações industriais, o estado responde por mais de 32% da frota nacional e, em 2023, apenas a frota industrial descarregou 82 mil toneladas de pescado na região.
O setor gera milhares de empregos e movimenta a economia local. Cerca de 80% do atum e sardinha em lata consumidos no Brasil têm origem na região, que também se destaca como polo de exportação, abrigando a maior enlatadora de pescados da América Latina: a Gomes da Costa.
No mercado internacional, Navegantes exportou US$ 5,59 milhões em 2024, enquanto as importações somaram US$ 36,64 milhões, principalmente devido à compra de salmão chileno.
“Navegantes tem um papel fundamental, com o maior número de empresas no setor pesqueiro”, explica Jairo Romeu Ferracioli, secretário de Agricultura e Pesca de Navegantes.
Sustentabilidade e inovação tecnológica
Apesar da base sólida, o setor pesqueiro enfrenta desafios. A falta de incentivos e políticas públicas voltadas para a pesca é uma das principais questões. A não utilização de embarcações de pesquisa para monitoramento sustentável é um exemplo da falta de apoio. Ainda assim, a modernização da frota pesqueira catarinense avança, e o foco na qualidade da matéria-prima tem sido uma prioridade, impulsionando o crescimento contínuo do setor.
De acordo com Luiz Carlos Matsuda, o comprometimento com a sustentabilidade e a inovação tecnológica garantem que Itajaí e Navegantes permaneçam na vanguarda da pesca industrial no Brasil e no mundo.
“A nível municipal, não existe nenhum incentivo específico, pois a categoria industrial depende de incentivos do Governo Federal e Estadual. Em Navegantes, temos um escritório da Epagri, que ajuda os armadores de pesca com projetos e parcerias para desenvolvimento do setor. Estão sendo estudadas algumas áreas para uma futura parceria e construção de uma marina no município," explica o secretário de Agricultura e Pesca de Navegantes, Jairo Romeu Ferracioli Em termos de infraestrutura, a região conta com diversos portos, trapiches e estaleiros que apoiam à atividade pesqueira.
Em Navegantes, se destacam A INC (Indústria Naval Catarinense), a Navship, D'Leon e Engita, que oferecem suporte logístico para a construção e reparo de embarcações tanto da indústria pesqueira quanto nas de petróleo e gás.
Além disso, a cadeia logística do pescado é bastante estruturada, com armadores encontrando desde peças e equipamentos até fornecedores de gelo, completando todo o ciclo necessário para a atividade. Mesmo com essa base sólida, a regulamentação cada vez mais restritiva e os critérios ambientais são questões que precisam ser continuamente superadas.
“Temos parcerias com entidades como Epagri, Sebrae e Senar para desenvolver programas de gestão, incentivando tanto a pesca industrial quanto a artesanal”, complementa Jairo Romeu Ferracioli.
Já o doutor em ciência e tecnologia ambiental, Paulo Ricardo Schwingel, reforça também que os desafios da indústria pesqueira de Itajaí estão relacionados à garantia de estabilidade a longo prazo, mirando horizontes de 10, 20 e 30 anos. A preocupação é assegurar que a disponibilidade de matéria-prima atual se mantenha no futuro. Além disso, a indústria também enfrenta o desafio de se adaptar às mudanças climáticas, criando estratégias de gestão que minimizem seus impactos sobre os recursos pesqueiros.
Observatório da Pesca monitora economia e sustentabilidade
De acordo com o oceanógrafo Luiz Carlos Matsuda, o Observatório da Pesca surgiu como uma solução para a escassez de dados confiáveis sobre o setor pesqueiro e foi criado com o apoio do Sebrae de Santa Catarina. A plataforma reúne dados de sete fontes diferentes, incluindo o IBGE e a Univali, com foco em desembarques pesqueiros e a cadeia produtiva do setor. Com mais de 35 painéis interativos, é possível monitorar aspectos como sustentabilidade dos estoques pesqueiros e a movimentação econômica da pesca. Além de facilitar a análise do mercado, os dados disponíveis ajudam a criar um ambiente mais sustentável, estimulando parcerias entre o governo e a iniciativa privada, com foco na inovação e na preservação dos recursos marinhos.
Paulo Ricardo Schwingel, doutor em Ciência e Tecnologia Ambiental, destacou que a pesca industrial em Itajaí tem perspectivas promissoras pelos investimentos em pesquisa realizados pela própria indústria. Entretanto, as mudanças climáticas já afetam a pesca da sardinha, uma das mais importantes do Brasil, com mais de 100 mil toneladas capturadas este ano.
Paulo observou que, nos últimos 25 anos, o período reprodutivo da sardinha se adiantou e ampliou, passando de três meses (de dezembro a fevereiro) para seis meses, começando em outubro. Além disso, o aquecimento da região sul do Brasil fez com que a sardinha migrasse para áreas mais ao sul, alcançando agora a divisa com o Uruguai.
Essas mudanças exigem ajustes na gestão pesqueira, como a ampliação da área de captura e a modificação do período de defeso. Hoje, o defeso da sardinha dura cinco meses, de outubro a fevereiro, coincidindo com o período reprodutivo da espécie. Schwingel reforça que adaptações são necessárias para garantir a sustentabilidade da pesca e a disponibilidade dos recursos.
Outro fator a ser monitorado são os eventos climáticos extremos, como o El Niño. Episódios severos de El Niño, com aquecimento do Oceano Pacífico, podem impactar negativamente nos estoques de sardinha.
A indústria pesqueira de Itajaí desempenha um papel fundamental na economia azul do Brasil, concentrando as principais indústrias do sul e sudeste do país na região da foz do rio Itajaí-açu. Especialistas alertam para a necessidade de cautela em relação à expansão do setor devido à capacidade limitada dos ecossistemas, como o Oceano Atlântico, que já está próximo de seus limites de exploração.
O Brasil, apesar de sua extensa costa, não é um grande produtor de pescado, ocupando aproximadamente a 25ª posição no cenário global. Isso se deve ao fato de o oceano brasileiro ter plataformas continentais estreitas, o que limita a produtividade pesqueira. As maiores áreas produtivas estão localizadas onde há plataformas continentais mais largas, como a região que vai do Rio de Janeiro ao Chuí e a desembocadura do Amazonas.
Santa Catarina é o maior produtor de pescado marinho do Brasil, enquanto o Pará lidera na produção de pescado de água doce devido à presença do rio Amazonas. No entanto, a baixa produtividade oceânica do país é uma questão relacionada ao próprio ecossistema, que não é tão produtivo quanto o de países como Argentina, Chile ou Peru.
O que é sustentabilidade pesqueira?
A sustentabilidade pesqueira é alcançada quando a capacidade de regeneração dos estoques de peixes é equilibrada com a quantidade extraída pela pesca. Isso significa que a captura não deve exceder a capacidade natural de supervisão das populações marinhas; caso contrário, não há sustentabilidade.
Santa Catarina lidera indústria da pesca no Brasil
Santa Catarina se destaca no cenário nacional como o estado com o maior número de embarcações pesqueiras e de empresas do setor no Brasil. O estado também é responsável por aproximadamente 25% dos empregos da pesca no país, se consolidando como uma referência na área. Além disso, é campeão na produção de ostras e mexilhões, ocupando a segunda posição na produção nacional de carpas e trutas e a quarta na posição nacional de tilápia.
Também se destaca como líder nacional no volume de exportações (25%), no número de empresas (14,6%) e no número de empregos do setor (23,9%). O valor bruto da produção industrial de 2023 foi estimado em R$ 4,08 bilhões, representando 61,6% da indústria nacional de pesca.
Com esse protagonismo, as iniciativas de apoio aos pescadores locais ganham mais relevância. Uma das ações mais recentes é fruto da parceria entre as secretarias de governo e a Fepesc, voltada para o treinamento e cadastro dos trabalhadores da pesca. O objetivo é que esses pescadores possam fornecer seus produtos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que direciona alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade.
“Esse treinamento deve evoluir para o cadastro dos pescadores, para que eles possam fornecer seus produtos ao PAA e, assim, garantir que o alimento chegue a quem mais precisa”, explica Thiago Bolan Frigo, secretário de Aquicultura e Pesca de Santa Catarina.
Um dos marcos mais recentes no setor foi a criação do Observatório da Pesca [plataforma de dados abertos da pesca catarinense, uma ferramenta que permite acesso a informações planejadas sobre a produção pesqueira, ajudando gestores e pescadores a planejar suas atividades de forma estratégica e sustentável.