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O dito pelo não dito no marco do 7 de abril


O ser humano enquanto ser de cultura cria linguagem. Essa característica permite que o som emitido seja muito mais que um simples som, mas um som com sentido que possibilita a comunicação humana. Isso significa que com a linguagem dizemos aos outros “verdades” sobre as coisas, ou melhor, temos a pretensão de dizer “verdades” sobre as coisas, os seres humanos, o mundo. Mas, o mais interessante, ainda, é que com a linguagem não apenas dizemos, senão que, fazemos coisas, como defende, por exemplo, o filósofo J. Austin (1911-1960). O ato de dizer implica também um fazer. Eis o espetáculo da linguagem.

Muito foi dito sobre o ex-vice-presidente da República José Alencar, por ocasião da sua morte no dia 29 de março de 2011. Entre os tantos dizeres sobre esse importante personagem da história política brasileira, um tem chamado a atenção, especialmente pelo alto grau de consenso que há em torno dele. Trata-se, no caso, da descrição de José Alencar como um homem “guerreiro”, um “lutador”, e que por isso, um grande exemplo. O que o João, a Maria, o Cardeal, a Ministra, o Senador, repetiam sistematicamente para mostrar a sua característica guerreira e lutadora, era sua disposição e coragem diante da doença que sofria, o câncer. Movimento fundamental, segundo os próprios médicos, para que tivesse vivido 13 anos com a patologia.

Mas, ao se dizer isso, algo não se disse, ou, quando foi dito, o foi com pouca ênfase. Ou seja, o fato do ex-vice-presidente ter tido acesso ao que existe de mais avançado do ponto de vista tecnológico na medicina atual. Seu tratamento foi realizado no hospital Sírio-Libanês em São Paulo e nos Estados Unidos. Um tratamento que teve a disposição todos os recursos tecnológicos e humanos, durante 24 horas, durante 13 anos.

A objeção imediata poderia ser: mas outras pessoas com o mesmo acesso ou tratamento, não têm ou não tiveram a mesma resposta, mostrando, portanto, o diferencial de José Alencar. De acordo! Não sou oncologista, mas concordo que a qualidade de resposta a qualquer tratamento depende muito da “atitude” (vontade) da pessoa diante da enfermidade. Essa atitude era inegável em José Alencar. No entanto, quando não se disse ou se disse em voz baixa que junto à atitude de guerreiro e lutador estava o acesso ao que tinha de mais avançado na medicina no Brasil e no mundo, foi dito (pelo não dito) que faltou a meus parentes e amigos que morreram de câncer, a “coragem” de enfrentar sua doença, pois morreram muito antes das expectativas indicadas pelos prognósticos (não está em questão os diferentes tipos de câncer, que obviamente implicam expectativas de vida diferentes). Enfrentar um câncer, exige mais do que um ato de coragem. Exige necessariamente um acesso rápido e qualificado aos recursos da medicina e que muitos dos meus parentes e amigos, por não terem condições financeiras para tal, efetivamente não tiveram.

Que por ocasião de 7 de abril, dia mundial da saúde, seja dito em alto e bom tom, que precisamos melhorar muito a saúde pública no Brasil, permitindo o acesso de qualidade para todos e todas e evitando com isso, que a saúde divida ricos e pobres no país, como afirmou recentemente o IBGE, em consequência de uma pesquisa que avaliou a diferença dos serviços prestados. Todos e todas têm o direito à saúde, mas esse preceito só se efetiva se fortalecermos e qualificarmos o SUS. Exigir a implementação desta importante conquista da cidadania, para que todos tenham acesso com qualidade, possa talvez representar o primeiro grande ato de coragem da população brasileira, para que tenha a possibilidade de ampliar a sua coragem diante das patologias, e com isso, viver mais e melhor. Isso é importante que seja dito!

* Professor de filosofia no IFIBE e Educador Popular do CEAP


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